quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Paulo Baier obtém na Justiça do Trabalho "Direito de Arena" não pago pelo Palmeiras



PAULO CESAR BAIER, RECLAMANTE.
SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS, RECLAMADA.
Ausentes as partes.
Submetido o processo a julgamento foi proferida a seguinte

S E N T E N Ç A :

PAULO CESAR BAIER, qualificado na inicial, moveu a presente RECLAMAÇÃO TRABALHISTA em face de SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS e, em decorrência dos fatos e fundamentos jurídicos expostos às fls. 03/18, pleiteou fosse a reclamada condenada ao pagamento dos títulos elencados às fls. 17, dentre outros requerimentos de estilo. Juntou documentos. Foi atribuído à causa o valor de R$ 250.000,00.
Contestação da reclamada às fls. 97/137 arguindo preliminar de inépcia da inicial. Diz que o autor formula pedido juridicamente impossível. Aduziu ocorrer falta de causa de pedir. Diz ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação. Argüiu existência de coisa julgada. No mérito, contestou os pedidos da inicial e pugnou pela improcedência da ação. Juntou documentos.
Nos termos da ata de fls. 93, foi encerrada a instrução processual.
Manifestação do autor às fls. 182/197.
Inconciliados.
É o relatório.

D E C I D E – S E :

[...]

DIREITO DE ARENA.
O reclamante na inicial postula pagamento de 20% a título de Direito de Arena sobre o total negociado pela reclamada nos Campeonatos Paulistas de 2006 e 2007, no Campeonato Brasileiro de 2006 e também na Copa Libertadores da América de 2006 com incidências deste em férias + 1/3, 13º salários, repousos semanais e depósitos de FGTS.

A reclamada por sua vez, contestou alegando que todos os valores foram devidamente quitados nada havendo a ser pago ao reclamante.

Antes de mais nada há que se considerar que o profissional de futebol é regulado por legislação específica, dada as condições peculiares do exercicio de tal profissão. Não obstante esta especificidade não está afastada a aplicação dos preceitos contidos na CLT e, portanto, estão submetidos às regras gerais da legislação trabalhista com as necessárias reservas decorrentes da legislação específica que lhe foi atribuída.

Necessária se faz tal ressalva dada as peculiaridades do contrato de trabalho do atleta de futebol e também para exame do caso específico ora submetido a este Juízo.

Na sua origem histórica o termo latino “arena” (em português - areia) está relacionado aos espetáculos da Roma Antiga porque eram as arenas dos coliseus o local onde gladiadores se enfrentavam em combate uns aos outos ou em confronto com feras de todos os tipos, se traduzindo nos maiores e mais conhecidos espetáculos de entretenimento (embora sangrentos) da antiguidade.

Nos dias de hoje, afastada a característica sangrenta dos espetáculos da antiguidade continua o público a frequentar os modernos coliseus do esporte (estádios de futebol, quadras de volei e basquete, ringues de luta, dentre outros) buscando diversão e entretenimento em decorrência também de afinidade com esta ou aquela equipe.

Decorrência da modernidade, contudo, é que graças aos sofisticados sistemas eletrônicos de comunicação e transmissão de imagens passou o público a ter a opção de assistir o espetáculo no local ou, quiçá por comodidade, impossibilidade de acesso direito ou outro motivo qualquer, a assistir o mesmo via imagens televisivas no conforto de seu lar, sózinho, ou em companhia de amigos e familiares.

Claro está que a alternativa para assistir ao espetáculo fora da própria arena, pela possibilidade de transmissão das imagensm resultou no caso do futebol em sério prejuízo aos que integram o mundo futebolístico em especial os clubes de futebol que viram reduzidas suas receitas em decorrência da menor venda de ingressos e evasão do público dos estádios.

Foi exatamente para evitar essa evasão de receita e como mecanismo de compensação é que foi criado o assim chamado “Direito de Arena”. Tal direito se constituiria, portanto, na possibilidade que as entidades de prática desportiva (clubes de futebol) teriam de negociar, autorizar ou não a fixação, transmissão e retransmissão da imagem dos eventos esportivos de que participem.

Alice Monteiro de Barrros em seu trabalho “As Relações de Trabalho no Espetáculo” (São Paulo, 2003, editora LTr) tece sobre o tema as seguintes considerações:

“...a exploração econômica do esporte modificou sobremaneira as relações entre os protagonistas do espetáculo desportista e os meios audivisuais. O desportista profissional é o ator do espetáculo e sua imagem é essencial e inevitável. Surge em função dessa atuação o direito de o esportista participar do preço, da autorização, da fixação, transmissão ou retransmissão do espetáculo esportivo público com entrada paga ao qual se denomina direito de arena...”

e prossegue:

“...o direito de arena é considerado pela doutrina um “direito conexo”, “vizinho” dos direitos autorais e é ligado também ao direito à imagem do atleta. Ele é reconhecido aos desportistas e lhes assegura uma “regalia” pela transmissões radiofônicas e/ou televisivas de suas atuações públicas sobre a base da originalidade e da criatividade de suas destrezas pessoais, que não são meras informações períodicas”.

Na sistemática legal brasileira o instituto do Direito de Arena surge inicialmente com a Lei 5.989/73 com um “direito conexo” concernente a artistas de um modo geral. Posteriormente este direito veio a ser confirmado em legislação específca do atleta, no caso a Lei 6.915/93 e também a Lei 8.672/93 sendo que esta última assim preconizava em seu artigo 24.

“Art. 24. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de autorizar afixação, transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo desportivo de que participem.

Parágrafo 1o. Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço da autorização serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas participantes do espetáculo.”.

O instituto ganhou nova regulamentação com o advento da Lei 9.615/98 (assim denominada Lei Pelé) que prevê no seu artigo 42:

“Art. 42 - Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

Parágrafo 1o. - Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído em partes iguais aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.

Portanto é sobre o último texto legal retro transcrito que está regulamentado atualmente o Direito de Arena.

A análise do texto legal em questão, nos leva a concluir que se de um lado cabe a entidade de prática desportiva, no caso os clubes de futebol, negociarem, autorizarem e proibirem a transmissão e retransmissão de imagens cuidou o legislador de proteger também, no plano econômico, o sujeito principal do espetáculo, no caso em tela, o atleta de futebol, assegurando-lhes parte do pagamento decorrente da venda do espetáculo pelo clube a emissora de televisão.

Luiz Cesar Cunha Lima, advogado e conciliador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e colunista de Direito Desportivo do site www.ilmaresteves.com.br e membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, em artigo publicado, tece o seguinte comentário:

“...Nos dizeres do proeminente professor Antônio Chaves, Direito de Arena é uma prerrogativa que compete ao esportista de impedir que terceiros venham, sem autorização divulgar tomadas de sua imagem ao participar de competição, ressalvados os casos expressamente previstos em lei...”

Feitas estas considerações há que se responder no caso em tela, a seguinte controvérsia: O pagamento do assim chamado Direito de Arena ao reclamante foi satisfatoriamente atendido nos termos do acordo firmado no processo No. 97.001.141973-5 ajuizado na 23ª. Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro ou assistiria razão ao reclamante quanto a lhe serem devidos os percentuais e valores postulados na inicial?

Bem analisados os fatos, não se pode deixar de dar razão ao reclamante.

Há um conflito de normas no caso em comento ou seja, a transação pactuada no processo No. 97.001.141973-5 ajuizado na 23ª. Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro e o art. 42, parágrafo 1o da Lei 9.615/98 e este conflito embora complexo em sua aparência, é de singela solução no campo das relações do trabalho.
Isto porque, no Direito do Trabalho face ao princípio de proteção impera a regra de aplicação da norma mais favorável ao empregado. No caso em tela, nem de longe o pacto firmado pelo sindicato de classe do autor nem de longe se traduz em condição mais benéfica quando confrontado com o art. 42, parágrafo 1o da Lei 9.615/98 que aliás, estabelece percentual em muito superior aquele pactuado pelo sindicato de classe no processo No. 97.001.141973-5 da 23a. Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro.

Toda a argumentação da reclamada quanto ao acordo firmado naquela ação traduzir-se em ganho significativo aos profissionais de futebol em geral e ao reclamante em particular não merece acolhida há uma porque não há da parte da reclamada um demonstrativo hábil a demonstrar este assim denominado “ganho significativo” e a duas porque, pela planilha de fls. 85, apresentada pelo autor e que não foi objeto de impugnação específica pela reclamada, tem-se que nem de longe os valores pagos se coadunam com os valores devidos.

Por outro lado, pretender que a “expressão “salvo convenção em contrário” contida no art. 42, parágrafo 1o da Lei 9.615/98 se traduziria na possibilidade de se pactuar percentuais inferiores é interpretação distorcida do texto legal e não pode ser aceita como válida. Entendo que o citado texto legal, estabeleceu também um patamar mínimo para pagamento do percentual exatamente nos termos do art. 7o, XVI da CF/88 (citado como exemplo pela própria reclamada em sua defesa) que regula pagamento de horas extras e utilizou-se da expressão “no mínimo” que também consta do art. 42, parágrafo 1o da Lei 9.615/98.

Quem fixa o “mínimo” está claramente sinalizando que este é o menor valor ou, no caso do parágrafo 1o do art. 42 da Lei 9.615/98, percentual a ser pago não sendo lógico e razoável que se estabelecesse um “mínimo” para em seguida de autorizar a pactuação de valores/percentuais inferiores.

Existe, ainda, uma última questão a ser considerada. A reclamada é clube de expressão nacional e tem ampla divulgação na midia de todo o país ao comprar os direitos de transmissão/retransmissão leva em conta tal condição. Todavia, esta expressão nacional dos clubes decorre não apenas das entidades em si mesmas mas do plantel de jogadores que mantêm. Explico: quanto maior o número de jogadores famosos e “craques” maior é o interesse da emissora posto que, pela qualidade do plantel, atinge maior público. Não é justo que a reclamada, a qual sempre deteve expressivo plantel de jogadores, entre eles o autor, se utilize deste plantel para negociar melhores valores com as emissoras (quer direta ou quer indiretamente por outras associações como o denominado Clube dos Treze) e não repasse a estes mesmos atletas os ganhos que decorrem justamente da manutenção destes no seu plantel.

No caso em tela, por toda a fundamentação exposta, há que prevalecer a regra do art. 42, parágrafo 1o da Lei 9.615/98 como critério para pagamento do Direito de Arena relativos aos campeonatos paulistas de 2006 e 2007 e também no torneio Libertadores da América de 2006.

Portanto, são procedentes os pedidos formulados nas letras “a”, “b” e “c” do rol de fls. 17. Atento ser entendimento deste Juízo que os valores a título de Direito de Arena se equiparam as gorjetas e tem portanto natureza salarial. Neste sentido, transcrevo o entendimento de nossa melhor doutrina:

“...o valor pago como direito de arena tem natureza jurídica remuneratória, uma vez sua similitude com as gorjetas, já que é pago por terceiros...”

(ZAINAGHI, Domingos Sávio, Nova Legislação Desportiva - aspectos trabalhistas - 2a. edição, São Paulo, Ltr, 2004).

Neste sentido, também, o seguinte entendimento jurisprudencial:

“TST AIRR 940/2002-004-03-4 DJ 18/02/2005 - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA 1. DIREITO DE ARENA NATUREZA JURÍDICA. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO. Sendo o direito de arena resultante da participação dos atletas profissionais sobre o valor negociado pela entidade desportiva com órgãos responsáveis pela transmissão e retransmissão de imagens, o valor percebido, vale dizer, condicionado à participação no evento, resulta da contraprestação por este ato, decorrente da relação empregatícia, possuindo, então, natureza jurídica de salário, nos termos do art. 457 d aCLT, c/c art. 42, parágrafo 1o da Lei 9.615/98. Inexistem ofensas às normas dos art. 5o, II e XXVIII e 214 do Decreto 3.048/99. Agravo Improvido.”.

Relativamente aos valores devidos a reclamada não apresentou impugnação específica e válida quanto aqueles mencionados na planilha de fls. 85 quer quanto aos valores que o autor informou ter a ré recebido quer quanto aos valores que o autor apontou lhe serem devidos e também quanto ao número de partidas que informou ter participado, havendo que se reputar como verdadeiras as informações apresentadas pelo autor.

Portanto, a procedência dos pedidos alcança os valores lançados na planilha de fls. 85, ficando limitados aqueles, nos termos do art. 128 do CPC não incluídos na limitação, apenas, juros de mora e correção monetária.

[...]

ANTE O EXPOSTO, a 55ª Vara do Trabalho de São Paulo, entende por bem REJEITAR as preliminares argüidas pela reclamada e, no mérito, julgar PROCEDENTE EM PARTE os pedidos formulados na reclamação trabalhista movida por PAULO CESAR BAIER em face de SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS para condenar a reclamada a pagar ao reclamante o que restar apurado a título de a) diferenças decorrentes do Direito de Arena relativos aos Campeonatos Paulistas 2006 e 2007 bem como ao campeonato Libertadores da América 2006, no percentual de 20% nos termos do art. 42, parágrafo 1o da Lei 9.615/98 e reflexos.

[...]

Custas, pela reclamada, calculadas sobre o valor arbitrado à condenação de R$ 510.000,00 calculadas no importe de R$ 10.200,00.
Intimem-se. Nada mais.

MAURÍLIO DE PAIVA DIAS.
Juiz do Trabalho