PAULO CESAR BAIER, RECLAMANTE.
SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS,
RECLAMADA.
Ausentes
as partes.
Submetido
o processo a julgamento foi proferida a seguinte
S E N
T E N Ç A :
PAULO
CESAR BAIER, qualificado na inicial, moveu a presente RECLAMAÇÃO TRABALHISTA em
face de SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS e, em decorrência dos fatos e fundamentos
jurídicos expostos às fls. 03/18, pleiteou fosse a reclamada condenada ao
pagamento dos títulos elencados às fls. 17, dentre outros requerimentos de
estilo. Juntou documentos. Foi atribuído à causa o valor de R$ 250.000,00.
Contestação
da reclamada às fls. 97/137 arguindo preliminar de inépcia da inicial. Diz que
o autor formula pedido juridicamente impossível. Aduziu ocorrer falta de causa
de pedir. Diz ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da ação. Argüiu
existência de coisa julgada. No mérito, contestou os pedidos da inicial e
pugnou pela improcedência da ação. Juntou documentos.
Nos
termos da ata de fls. 93, foi encerrada a instrução processual.
Manifestação
do autor às fls. 182/197.
Inconciliados.
É o
relatório.
D E C
I D E – S E :
[...]
DIREITO
DE ARENA.
O
reclamante na inicial postula pagamento de 20% a título de Direito de Arena
sobre o total negociado pela reclamada nos Campeonatos Paulistas de 2006 e
2007, no Campeonato Brasileiro de 2006 e também na Copa Libertadores da América
de 2006 com incidências deste em férias + 1/3, 13º salários, repousos semanais
e depósitos de FGTS.
A
reclamada por sua vez, contestou alegando que todos os valores foram
devidamente quitados nada havendo a ser pago ao reclamante.
Antes
de mais nada há que se considerar que o profissional de futebol é regulado por
legislação específica, dada as condições peculiares do exercicio de tal
profissão. Não obstante esta especificidade não está afastada a aplicação dos
preceitos contidos na CLT e, portanto, estão submetidos às regras gerais da
legislação trabalhista com as necessárias reservas decorrentes da legislação
específica que lhe foi atribuída.
Necessária
se faz tal ressalva dada as peculiaridades do contrato de trabalho do atleta de
futebol e também para exame do caso específico ora submetido a este Juízo.
Na sua
origem histórica o termo latino “arena” (em português - areia) está relacionado
aos espetáculos da Roma Antiga porque eram as arenas dos coliseus o local onde
gladiadores se enfrentavam em combate uns aos outos ou em confronto com feras
de todos os tipos, se traduzindo nos maiores e mais conhecidos espetáculos de
entretenimento (embora sangrentos) da antiguidade.
Nos
dias de hoje, afastada a característica sangrenta dos espetáculos da
antiguidade continua o público a frequentar os modernos coliseus do esporte
(estádios de futebol, quadras de volei e basquete, ringues de luta, dentre
outros) buscando diversão e entretenimento em decorrência também de afinidade
com esta ou aquela equipe.
Decorrência
da modernidade, contudo, é que graças aos sofisticados sistemas eletrônicos de
comunicação e transmissão de imagens passou o público a ter a opção de assistir
o espetáculo no local ou, quiçá por comodidade, impossibilidade de acesso
direito ou outro motivo qualquer, a assistir o mesmo via imagens televisivas no
conforto de seu lar, sózinho, ou em companhia de amigos e familiares.
Claro
está que a alternativa para assistir ao espetáculo fora da própria arena, pela
possibilidade de transmissão das imagensm resultou no caso do futebol em sério
prejuízo aos que integram o mundo futebolístico em especial os clubes de
futebol que viram reduzidas suas receitas em decorrência da menor venda de
ingressos e evasão do público dos estádios.
Foi
exatamente para evitar essa evasão de receita e como mecanismo de compensação é
que foi criado o assim chamado “Direito de Arena”. Tal direito se constituiria,
portanto, na possibilidade que as entidades de prática desportiva (clubes de
futebol) teriam de negociar, autorizar ou não a fixação, transmissão e
retransmissão da imagem dos eventos esportivos de que participem.
Alice
Monteiro de Barrros em seu trabalho “As Relações de Trabalho no Espetáculo”
(São Paulo, 2003, editora LTr) tece sobre o tema as seguintes considerações:
“...a
exploração econômica do esporte modificou sobremaneira as relações entre os
protagonistas do espetáculo desportista e os meios audivisuais. O desportista
profissional é o ator do espetáculo e sua imagem é essencial e inevitável.
Surge em função dessa atuação o direito de o esportista participar do preço, da
autorização, da fixação, transmissão ou retransmissão do espetáculo esportivo
público com entrada paga ao qual se denomina direito de arena...”
e
prossegue:
“...o
direito de arena é considerado pela doutrina um “direito conexo”, “vizinho” dos
direitos autorais e é ligado também ao direito à imagem do atleta. Ele é
reconhecido aos desportistas e lhes assegura uma “regalia” pela transmissões
radiofônicas e/ou televisivas de suas atuações públicas sobre a base da
originalidade e da criatividade de suas destrezas pessoais, que não são meras
informações períodicas”.
Na
sistemática legal brasileira o instituto do Direito de Arena surge inicialmente
com a Lei 5.989/73 com um “direito conexo” concernente a artistas de um modo
geral. Posteriormente este direito veio a ser confirmado em legislação
específca do atleta, no caso a Lei 6.915/93 e também a Lei 8.672/93 sendo que
esta última assim preconizava em seu artigo 24.
“Art. 24. Às entidades de prática
desportiva pertence o direito de autorizar afixação, transmissão ou
retransmissão de imagem de espetáculo desportivo de que participem.
Parágrafo 1o. Salvo convenção em
contrário, vinte por cento do preço da autorização serão distribuídos, em
partes iguais, aos atletas participantes do espetáculo.”.
O
instituto ganhou nova regulamentação com o advento da Lei 9.615/98 (assim
denominada Lei Pelé) que prevê no seu artigo 42:
“Art. 42 - Às entidades de prática
desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a
transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de
que participem.
Parágrafo 1o. - Salvo convenção em
contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será
distribuído em partes iguais aos atletas profissionais participantes do
espetáculo ou evento.
Portanto
é sobre o último texto legal retro transcrito que está regulamentado atualmente
o Direito de Arena.
A
análise do texto legal em questão, nos leva a concluir que se de um lado cabe a
entidade de prática desportiva, no caso os clubes de futebol, negociarem,
autorizarem e proibirem a transmissão e retransmissão de imagens cuidou o
legislador de proteger também, no plano econômico, o sujeito principal do
espetáculo, no caso em tela, o atleta de futebol, assegurando-lhes parte do
pagamento decorrente da venda do espetáculo pelo clube a emissora de televisão.
Luiz
Cesar Cunha Lima, advogado e conciliador do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e colunista de Direito Desportivo do site www.ilmaresteves.com.br e
membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, em artigo publicado, tece
o seguinte comentário:
“...Nos
dizeres do proeminente professor Antônio Chaves, Direito de Arena é uma
prerrogativa que compete ao esportista de impedir que terceiros venham, sem
autorização divulgar tomadas de sua imagem ao participar de competição,
ressalvados os casos expressamente previstos em lei...”
Feitas
estas considerações há que se responder no caso em tela, a seguinte
controvérsia: O pagamento do assim chamado Direito de Arena ao reclamante foi
satisfatoriamente atendido nos termos do acordo firmado no processo No.
97.001.141973-5 ajuizado na 23ª. Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de
Janeiro ou assistiria razão ao reclamante quanto a lhe serem devidos os
percentuais e valores postulados na inicial?
Bem
analisados os fatos, não se pode deixar de dar razão ao reclamante.
Há um
conflito de normas no caso em comento ou seja, a transação pactuada no processo
No. 97.001.141973-5 ajuizado na 23ª. Vara Cível da Comarca da Capital do Rio de
Janeiro e o art. 42, parágrafo 1o da Lei 9.615/98 e este conflito embora
complexo em sua aparência, é de singela solução no campo das relações do
trabalho.
Isto
porque, no Direito do Trabalho face ao princípio de proteção impera a regra de
aplicação da norma mais favorável ao empregado. No caso em tela, nem de longe o
pacto firmado pelo sindicato de classe do autor nem de longe se traduz em
condição mais benéfica quando confrontado com o art. 42, parágrafo 1o da Lei
9.615/98 que aliás, estabelece percentual em muito superior aquele pactuado
pelo sindicato de classe no processo No. 97.001.141973-5 da 23a. Vara Cível da
Comarca do Rio de Janeiro.
Toda a
argumentação da reclamada quanto ao acordo firmado naquela ação traduzir-se em
ganho significativo aos profissionais de futebol em geral e ao reclamante em
particular não merece acolhida há uma porque não há da parte da reclamada um
demonstrativo hábil a demonstrar este assim denominado “ganho significativo” e
a duas porque, pela planilha de fls. 85, apresentada pelo autor e que não foi
objeto de impugnação específica pela reclamada, tem-se que nem de longe os
valores pagos se coadunam com os valores devidos.
Por outro lado, pretender que a
“expressão “salvo convenção em contrário” contida no art. 42, parágrafo 1o da
Lei 9.615/98 se traduziria na possibilidade de se pactuar percentuais
inferiores é interpretação distorcida do texto legal e não pode ser aceita como
válida. Entendo que o citado texto legal, estabeleceu também um patamar mínimo
para pagamento do percentual exatamente nos termos do art. 7o, XVI da CF/88
(citado como exemplo pela própria reclamada em sua defesa) que regula pagamento
de horas extras e utilizou-se da expressão “no mínimo” que também consta do
art. 42, parágrafo 1o da Lei 9.615/98.
Quem
fixa o “mínimo” está claramente sinalizando que este é o menor valor ou, no
caso do parágrafo 1o do art. 42 da Lei 9.615/98, percentual a ser pago não
sendo lógico e razoável que se estabelecesse um “mínimo” para em seguida de
autorizar a pactuação de valores/percentuais inferiores.
Existe,
ainda, uma última questão a ser considerada. A reclamada é clube de expressão
nacional e tem ampla divulgação na midia de todo o país ao comprar os direitos
de transmissão/retransmissão leva em conta tal condição. Todavia, esta
expressão nacional dos clubes decorre não apenas das entidades em si mesmas mas
do plantel de jogadores que mantêm. Explico: quanto maior o número de jogadores
famosos e “craques” maior é o interesse da emissora posto que, pela qualidade
do plantel, atinge maior público. Não é justo que a reclamada, a qual sempre
deteve expressivo plantel de jogadores, entre eles o autor, se utilize deste
plantel para negociar melhores valores com as emissoras (quer direta ou quer
indiretamente por outras associações como o denominado Clube dos Treze) e não
repasse a estes mesmos atletas os ganhos que decorrem justamente da manutenção
destes no seu plantel.
No
caso em tela, por toda a fundamentação exposta, há que prevalecer a regra do
art. 42, parágrafo 1o da Lei 9.615/98 como critério para pagamento do Direito
de Arena relativos aos campeonatos paulistas de 2006 e 2007 e também no torneio
Libertadores da América de 2006.
Portanto,
são procedentes os pedidos formulados nas letras “a”, “b” e “c” do rol de fls.
17. Atento ser entendimento deste Juízo que os valores a título de Direito de
Arena se equiparam as gorjetas e tem portanto natureza salarial. Neste sentido,
transcrevo o entendimento de nossa melhor doutrina:
“...o
valor pago como direito de arena tem natureza jurídica remuneratória, uma vez
sua similitude com as gorjetas, já que é pago por terceiros...”
(ZAINAGHI,
Domingos Sávio, Nova Legislação Desportiva - aspectos trabalhistas - 2a.
edição, São Paulo, Ltr, 2004).
Neste
sentido, também, o seguinte entendimento jurisprudencial:
“TST
AIRR 940/2002-004-03-4 DJ 18/02/2005 - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA 1. DIREITO DE ARENA NATUREZA JURÍDICA. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO. Sendo o
direito de arena resultante da participação dos atletas profissionais sobre o
valor negociado pela entidade desportiva com órgãos responsáveis pela
transmissão e retransmissão de imagens, o valor percebido, vale dizer,
condicionado à participação no evento, resulta da contraprestação por este ato,
decorrente da relação empregatícia, possuindo, então, natureza jurídica de
salário, nos termos do art. 457 d aCLT, c/c art. 42, parágrafo 1o da Lei
9.615/98. Inexistem ofensas às normas dos art. 5o, II e XXVIII e 214 do Decreto
3.048/99. Agravo Improvido.”.
Relativamente
aos valores devidos a reclamada não apresentou impugnação específica e válida
quanto aqueles mencionados na planilha de fls. 85 quer quanto aos valores que o
autor informou ter a ré recebido quer quanto aos valores que o autor apontou
lhe serem devidos e também quanto ao número de partidas que informou ter
participado, havendo que se reputar como verdadeiras as informações
apresentadas pelo autor.
Portanto,
a procedência dos pedidos alcança os valores lançados na planilha de fls. 85,
ficando limitados aqueles, nos termos do art. 128 do CPC não incluídos na
limitação, apenas, juros de mora e correção monetária.
[...]
ANTE O
EXPOSTO, a 55ª Vara do Trabalho de São Paulo, entende por bem REJEITAR as
preliminares argüidas pela reclamada e, no mérito, julgar PROCEDENTE EM PARTE
os pedidos formulados na reclamação trabalhista movida por PAULO CESAR BAIER em
face de SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS para condenar a reclamada a pagar ao
reclamante o que restar apurado a título de a) diferenças decorrentes do
Direito de Arena relativos aos Campeonatos Paulistas 2006 e 2007 bem como ao
campeonato Libertadores da América 2006, no percentual de 20% nos termos do
art. 42, parágrafo 1o da Lei 9.615/98 e reflexos.
[...]
Custas,
pela reclamada, calculadas sobre o valor arbitrado à condenação de R$ 510.000,00
calculadas no importe de R$ 10.200,00.
Intimem-se.
Nada mais.
MAURÍLIO
DE PAIVA DIAS.
Juiz
do Trabalho