A empresa com mais de cem empregados deve divulgar nas redes sociais os salários pagos aos seus empregados?
Você sabia que mulheres e homens têm garantido o direito de receber um salário igualitário? Ou seja, a Lei garante esse direito a todos os trabalhadores independente do gênero.
A princípio cabe mencionar que em 1957 já havia previsão legal sobre esse tema com base na convenção nº 100 da (OIT) Organização Internacional do Trabalho que trazia medidas para a igualdade de remuneração da mão de obra masculina e da mão de obra feminina.
Porém alguns anos depois com a promulgação da Constituição federal de 1988, tal assunto voltou a ter destaque com a criação do Art. 5º, I e 7ª XXX, que trata justamente da igualdade entre homens e mulheres.
Nota-se que os legisladores da época já tinham essa preocupação em equiparar os gêneros sem distinção entre um e outro.
Neste sentido, também temos o amparo legal previsto na CTL em seu Art. 461: “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade”.
Com o recente surgimento da Lei nº 14.611/2023, a intenção do legislador é fazer com que as regras que determinam a igualdade salarial, sejam efetivamente cumpridas. Neste sentido, as sanções (penalidades) para as empresas que descumprirem a lei ficaram mais rigorosas.
Cabe dizer que a referida Lei, regulamentada pelo Decreto nº 11.795/2023 trouxe uma série de obrigações para empresas com mais de 100 empregados. Vejamos:
• Publicação periódica (02 vezes ao ano, em março e setembro) do chamado Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios.
• O Relatório deverá ser publicado no site da própria empresa, nas redes sociais ou ferramenta eletrônica de fácil acesso e divulgação.
• O Relatório deverá conter a relação de todos os cargos com o respectivo número da Classificação Brasileira de Ocupações - CBO
• O Relatório deverá conter o valor do salário contratual, gratificações, comissões, horas extras, adicionais (insalubridade, periculosidade, noturno etc), gorjetas entre outras verbas como benefícios e premiações;
• Os dados serão publicados de forma anonimizada, ou seja, observada a proteção de dados pessoais;
• Os dados serão enviados ao Ministério do Trabalho e Emprego
Verificada a desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as empresas com cem ou mais empregados deverão elaborar e implementar Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, que deverá estabelecer um programa de capacitação de gestores a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho, um programa de promoção da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho e uma programa de permanência e a ascensão da mulher no mercado de trabalho.
A implementação do Plano de Ação terá a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados, na forma definida em norma coletiva de trabalho.
Como se vê, a lei exige a implementação nas empresas de uma política de transparência salarial e critérios remuneratórios.
O que vem entendendo o Judiciário?
Há decisões do TRF3 (São Paulo) isentando uma empresa com mais de cem empregados de publicar na redes sociais os dados exigidos pela lei, sob o seguinte fundamento:
“Cabe reflexão acerca da legitimidade e pertinência funcional da publicação do relatório de transparência salarial. É certo que a publicidade de atos jurídicos está associada à ideia de transparência e conhecimento geral, naquilo que possa interessar a terceiros, proporcionando segurança jurídica e estabilidade das relações sociais. Contudo, há que se prevenir o risco de a publicidade ser utilizada como simples ferramenta de exposição pública, conversível em mera execração, com todas as consequências que isso pode acarretar, violando os direitos constitucionais à privacidade e à intimidade. Ainda que muito louvável e necessária a equiparação salarial de gênero e raça, a sua implementação poderia ocorrer com os instrumentos ordinários ao alcance do Poder Público e das pessoas eventualmente interessadas, inclusive na forma de sanções pecuniárias rigorosas, como já preveem os apontados textos normativos”.
“A divulgação de tais relatórios em redes sociais, como regulamentado no Decreto e na Portaria, extrapola os termos da Lei n. 14.611/2023, uma vez que a divulgação indiscriminada de dados, em desacordo com as hipóteses legais, pode causar danos de difícil reparação, no caso, pela publicidade de elementos que eventualmente componham estratégias de atuação empresarial perante suas concorrentes e consumidores.”
MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL Nº 5007907-12.2024.4.03.6100 / 9ª Vara Cível Federal de São Paulo
Em suma, por se tratar de um assunto relativamente novo, ainda não é possível saber como a jurisprudência irá tratar o tema daqui em diante, mas o TRF3 (São Paulo) vem sinalizando que o Decreto nº 11.795/2023 trouxe obrigações não previstas na Lei n. 14.611/2023. E como o Decreto não poderia legislar, as empresas com mais de cem empregados não estariam obrigadas a publicar tais informações em seus portais ou redes sociais.
Carlos Eduardo Martins Junior
OAB/SP 363.414
Edgar Yuji Ieiri
OAB/SP 258.457