sábado, 16 de fevereiro de 2019

A equiparação salarial e a Reforma Trabalhista



Edgar Yuji Ieiri (16/02/2019)
Equiparação salarial é um direito do trabalhador pautado no princípio constitucional da isonomia ou da igualdade, que prevê que os profissionais que exercem trabalho de igual valor deverão receber o mesmo salário.

Os tratados e as convenções da OIT proíbem distinções salariais em razão de sexo e em virtude da nacionalidade. Já a Declaração Universal dos Direitos Humanos prevê que “todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual”. No entanto, as normas internacionais não vedam o pagamento de diferentes salários por motivos de qualificação, desempenho, merecimento, produtividade e outros critérios não subjetivos. [1]

O fundamento legal está no artigo 461 da CLT, que teve a redação alterada após a Reforma Trabalhista de novembro de 2017: “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”.

Assim, o sujeito que pretende a equiparação salarial deverá fazer a indicação de um paradigma, apontando, dentro da mesma empresa, o empregado que recebe salário superior. Traduzindo para uma linguagem informal, o paradigma é o empregado com salário superior que serve de parâmetro do pedido de equiparação.


REQUISITOS LEGAIS

É necessário que sejam respeitados os seguintes requisitos para a equiparação salarial:

·         Identidade de função;
·         Trabalhos de igual valor: produtividade e perfeição técnica;
·         Serviço prestado no mesmo estabelecimento.


Identidade de função significa que os dois empregadores a serem comparados deverão ter as mesmas atribuições e as mesmas responsabilidades. Um não pode fazer alguma coisa que o outro não faz.

A equiparação salarial precisa levar em conta as funções e responsabilidades do paradigma e do autor do processo. O paradigma é o trabalhador que recebe mais, já o “paragonado” é o profissional requerente da equiparação salarial.

Trabalho de igual valor tem a sua definição legal no §1º do art. 461 da CLT: “trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica”.

É preciso mensurar um valor em relação a produtividade e perfeição técnica no quesito de desempenho das tarefas executadas. Isto é, não basta que os dois exerçam a mesma função, eles precisam estar no mesmo nível de trabalho. Os empregados precisam estar incumbidos das tarefas que tenham a mesma complexidade e com execuções que prezam pela mesma perfeição técnica.

Atenção! Pouco importa a nomenclatura dos cargos (por exemplo: júnior, pleno, sênior, técnico, analista, especialista ou consultor) ou o registro efetuado na carteira de trabalho, pois se o paradigma desempenha as mesmas funções no dia a dia a equiparação é possível.

O princípio da primazia da realidade ainda rege as relações de trabalho a despeito da abominosa reforma trabalhista (art. 9º da CLT).

Nesse ponto, destacamos o inciso III da Súmula 6 do TST: “A equiparação salarial só é possível se o empregado e o paradigma exercerem a mesma função, desempenhando as mesmas tarefas, não importando se os cargos têm, ou não, a mesma denominação”.

O terceiro requisito, qual seja, o trabalho no mesmo estabelecimento, foi inserido com a reforma trabalhista. Anteriormente a lei exigia que o trabalho entre paradigma e paragonado fosse na mesma “localidade”, entendida como a mesma região metropolitana, pois é inegável que o valor econômico do trabalho muda de uma região para outra.

Antes da reforma, lei impedia que trabalhadores de municípios ou regiões metropolitanas diferentes pudessem pleitear a equiparação salarial entre si. Agora, a reforma restringiu os pedidos de equiparação salarial somente entre os empregados do mesmo “estabelecimento”.

A mudança vem sendo amplamente criticada pela doutrina, pois frustra o próprio objetivo da norma e viabiliza situações hipotéticas injustas e distorcidas:

“Não se permite a equiparação de salários de empregados de unidades distintas, ainda que sejam próximas e situadas na mesma cidade. Assim, por exemplo, não se equiparam salários de empregados em idêntica função que trabalhem em estabelecimentos distintos do mesmo empregador, localizados em lados opostos da mesma rua ou avenida e separados por poucos metros, o que não é lógico nem razoável, além de não encontrar justificativa nos fatos e nos valores da sociedade. Ao modificar essa regra, o legislador não agiu como representante da vontade popular, mas de interesses econômicos de minorias”. [2]


IMPEDIMENTOS E EXCEÇÕES

Em algumas situações o colaborador pode não ter direito à equiparação salarial, são elas:

·         Diferença de tempo de serviço que não seja superior a quatro anos;
·         Diferença de tempo na função que não seja superior a dois anos;
·         Planos de carreira e funções por normas da empresa;
·         Trabalhador readaptado.
  

A reforma estabeleceu que a partir de 11/2017 a diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e que “a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos”.

A lei exige primeiramente que os empregados sejam contemporâneos, não sendo permitido que uma pessoa peça a equiparação salarial com quem não trabalhou simultaneamente. É desejável, mas não é um requisito legal, que as pessoas tenham trabalhado ao menos alguns meses lado a lado.

Com relação à diferença de tempo no emprego, a lei viabiliza a equiparação salarial entre pessoas com no máximo 4 anos de diferença entre as suas datas de admissão. Além disso, a diferença de tempo na função (as pessoas podem mudar de função e cargo ao longo do contrato) não pode ser superior a 2 anos.

Caso a empresa possua quadro de carreiras ou plano de cargos e salários, por meio de negociação coletiva ou por meio de norma interna, a equiparação salarial pode ser inviabilizada após a reforma trabalhista.

“Antes da Lei n. 13.467/2017, as empresas privadas poderiam organizar quadros de carreira, mas sua validade e eficácia dependiam de homologação pelo Ministério do Trabalho. Pela atual redação deste § 2o do art. 467 da CLT, essa homologação não é mais necessária, de maneira que o empregador pode dispor livremente a esse respeito por normas internas. A adoção de quadro de carreira pelas empresas privadas sempre foi pouco usual, visto que a dinâmica das relações civis, comerciais e trabalhistas é incompatível com a rigidez desse instituto. Além disso, a nova redação deste dispositivo permitiu a adoção de plano de cargos e salários, o que é bem mais simples que o quadro de carreira”. [3]

O quadro de carreiras e o plano de cargos e salários devem observar critérios de antiguidade e/ou merecimento, sendo esse último critério muito subjetivo e vago, que também irá causar situações de injustiças, pois é uma avaliação discricionária do empregador.
Caso exista quadro de carreiras ou plano de cargos e salários, o profissional não poderá pleitear a equiparação, mas poderá pleitear o “desvio de função” e as diferenças salariais nos termos da OJ nº 125, pelo exercício de uma função mais bem remunerada.

TST – SDI1 – OJ nº 125 - DESVIO DE FUNÇÃO. QUADRO DE CARREIRA. O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988.


O último impedido é o caso do trabalhador readaptado. Não é possível pedir equiparação salarial com trabalhador readaptado, pois esse profissional só está desempenhando a função readaptada por uma situação excepcional, de modo que a diferença de salário ocorreu em razão da diminuição da sua capacidade física ou mental, ainda que esta nova função seja inferior à que desenvolvia antes.


MULTA

O parágrafo 6º do artigo 461 da CLT diz que “no caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças salariais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”.

A multa é louvável, mas demonstrar que a diferença salarial teve fundamento na discriminação de sexo ou etnia nem sempre é fácil.

Recomendamos o uso de gravações, conforme já falamos neste blog.

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[1] CLT interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo/Costa Machado, organizador; Domingos Sávio Zainaghi, coordenador. – 9. ed. – Barueri, SP: Manole, 2018.
[2] Idem
[3] Idem