segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Um caso prático envolvendo o cargo de confiança do artigo 62, II da CLT

 


 

É sabido algumas empresas têm funcionários que ocupam cargo de confiança e acreditam estar cumprindo as regras trabalhistas sem saber que a CLT estabelece requisitos específicos a respeito do cargo.

 

A CLT não é clara sobre o assunto, não trazendo um conceito específico do que seria o cargo de confiança, no entanto, estabelece regras em relação aos que ocupam a função, por exemplo, a exclusão dos que exercem cargo de gestão de registrarem a sua jornada. Vejamos:

 

Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.

Parágrafo único - O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento).

 

 

Ocorre que, muitos empregadores se aproveitam indevidamente desta regra para dispensar o trabalhador da marcação de jornada (cartão de ponto / folha de ponto), fazendo o funcionário trabalhar mais que o devido sem receber pelas horas extras.

 

Afirmamos isso com base no relato de um cliente do escritório que abriu processo conosco pois o mesmo fora funcionário de uma empresa que não mantinha controle formal (escrito) da jornada de trabalho, alegando que o mesmo era detentor de cargo de confiança (art. 62 da CLT) e não fazia jus ao pagamento de horas extras na função de supervisor de segurança.

 

Vale ressaltar que na contratação, fora feito um acordo de compensação de horas, no qual previa a jornada normal de trabalho era de 44 horas semanais. Ou seja, independentemente das funções exercidas e do conceito jurídico do cargo de confiança, naquele caso, empregado e empregador pactuaram uma carga horária expressamente prevista em contrato.

 

Se o contrato de trabalho assinado pelo empregado previa expressamente a limitação da jornada de trabalho em 44 horas semanais, sem fazer qualquer menção ao não pagamento de horas extras ou à ocupação de confiança, o empregador não poderia se valer do artigo 62 da CLT para deixar de pagar pelo labor excedente.

 

O caso citado não comportava a discussão sobre o cargo de confiança e a controvérsia tanto na doutrina quanto na jurisprudência da Justiça do Trabalho sobre o artigo 62, II, da CLT, pois a fixação da jornada de trabalho em contrato é incompatível com tal alegação.

 

Horas extras. Cargo de gestão. Confirmada a fixação de jornada de trabalho e o controle de horário, bem como a existência de subordinação, não está o empregado inserido na exceção prevista no artigo 62, II, da CLT" (Proc. 02115-2002-057-02-00-9 - TRT 2ª Região - 6ª Turma - relator juiz Rafael Edson Pugliese Ribeiro - DOESP 22-10-04)

 

 

No caso supracitado, as partes pactuaram em contrato uma limitação no que diz respeito à jornada semanal, sendo assim, a empresa não poderia exigir o trabalho do empregado acima dessa carga horária sem o pagamento de horas extras. Em outras palavras, a falta de pagamento de horas extras configura violação ao próprio contrato de trabalho.

 

Ademais, o nosso cliente não tinha as atribuições e responsabilidades de gestão ou chefia, uma vez que supervisionava o trabalho de prestadores de serviços terceirizados, mas não dava ordens diretas a nenhum empregado da própria reclamada.

 

Esse trabalhador não tinha empregados abaixo de si e estava subordinado ao gerente administrativo. Todas essas informações foram confirmadas em audiência pela testemunha do nosso cliente e pelo próprio empregador em depoimento pessoal.

 

Ocorre que mesmo após as alegações fraudulentas do empregador e depoimentos em audiência, a sentença a respeito do assunto não acolheu o pedido da descaracterização do cargo de confiança e pagamento das horas extraordinárias, alegando que deveria prevalecer o contrato realidade e não o disposto em documentos, afirmando que o depoimento do próprio empregado corrobora o exercício do cargo de confiança.

 

A sentença de primeiro grau também afirmou que a gratificação de 40% prevista no art. 62 da CLT era “facultativa” e não uma obrigação, sendo que a falta de pagamento não descaracteriza automaticamente o enquadramento no art. 62 II da CLT.

 

Recorremos a tal sentença expondo que o empregador não demonstrou que o nosso cliente possuía atribuições de gestão, fiscalização ou chefia, ao contrário da fundamentação exposta na decisão de primeiro grau. Argumentamos que em momento algum o autor confirmou exercer cargo de confiança, pois não houve a confirmação de que ele pudesse admitir ou demitir funcionários e que ele sequer recebia a gratificação de função estabelecida no parágrafo único do artigo 62 da CLT. Além disso, reiteramos que a jornada de 44 horas semanais estava prevista no contrato de trabalho.

 

Em segundo grau, houve o acolhimento do pedido de horas extras, havendo descaracterização do cargo de confiança, condenando a empregadora ao pagamento das horas extraordinárias e seus reflexos nas demais verbas.

 

A principal argumentação utilizada no voto do relator foi que o trabalhador não era a autoridade máxima do setor, pois estava subordinado ao gerente administrativo e que em um determinado holerite o trabalhador chegou a receber horas extras por um feriado trabalhado.

 

Processo n. 0002197-02.2014.5.02.0051