TRABALHADOR CONTAMINADO EM COMPLEXO INDUSTRIAL DEVERÁ SER INDENIZADO EM R$ 300 MIL
Por Ademar Lopes Junior
A Sexta Câmara do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª Região julgou improcedentes os recursos ajuizados
pelas empresas Basf S.A. e Shell Brasil Ltda, mantendo em parte decisão da 1ª
Vara do Trabalho de Paulínia de indenizar trabalhador contaminado por produtos
tóxicos e metais pesados no trabalho. A decisão colegiada condenou as empresas
ao pagamento de indenização de R$ 300 mil ao operador.
A relatora do acórdão,
desembargadora Ana Paula Pellegrina Lockmann, entendeu que ficou caracterizada
a doença ocupacional adquirida, não merecendo a sentença qualquer reforma neste
item e que as lesões sofridas pelo trabalhador decorrem de sua atividade
laboral. Quanto à responsabilidade das empresas, o acórdão frisou que elas
"se pautaram na busca selvagem e irresponsável por lucratividade, em
detrimento de valores fundamentais".
O trabalhador afirmou nos
autos que adquiriu doença ocupacional incapacitante, em decorrência da
exposição diária e contínua a inúmeros agentes tóxicos altamente nocivos à saúde,
ao longo dos aproximadamente 26 anos que trabalhou no complexo industrial Shell
– Cyanamid – Basf. Ele disse que foi contratado pela Shell, em 28/04/77, para
exercer as funções derivadas de operador químico, e foi dispensado em 6/12/95.
Em 7/12/95 foi contratado pela empresa Cyanamid (que comprou o referido parque
fabril), posteriormente sucedida pela Basf (no ano de 2000), tendo laborado até
27 /12/02, sempre na mesma função e no mesmo local de trabalho.
Em sua atividade na
empresa, segundo o laudo pericial, o trabalhador mantinha contato direto com
produtos químicos como: "organofosforados, piretroides, benzeno, cianeto
de sódio e antifúngicos, além de organoclorados até 1990 (aldrin, endrin,
dieldrin, entre outros. O acórdão ressaltou que "os compostos
organoclorados, mais especificamente o aldrin, dieldrin e endrin, "são
classificados pela ciência como Poluentes Orgânicos Persistentes (POP's), assim
entendidos como substâncias altamente tóxicas, resistentes à degradação e
bioacumulativas" e estão "relacionados ao surgimento de inúmeras
patologias como o câncer e distúrbios hormonais e dos sistemas nervoso,
reprodutor e imunológico". "A Convenção de Estocolmo sobre POP's,
assinada em 2001 por 151 países, inclusive o Brasil, inclui o aldrin, dieldrin
e endrin no rol das 12 substâncias tóxicas a serem banidas ("doze
sujos")", salientou ainda o acórdão.
A Basf, em recurso
alegou, entre outros, a nulidade do julgado, por negativa de prestação
jurisdicional, e defendeu que "é parte ilegítima para figurar no polo
passivo da reclamatória". Além disso, segundo ela, "o laudo pericial
produzido nos autos é nulo, diante da ausência de especialização e qualificação
técnica da perita do Juízo". Completou que "deve ser reconhecida a
nulidade processual por cerceamento de defesa, pelo fato de lhe ter sido
indeferida a juntada de provas documentais e ainda alegou prescrição total da
pretensão do trabalhador. No mérito propriamente dito, a Basf negou a
caracterização de nexo causal entre a moléstia do trabalhador e as atividades
por ele desenvolvidas na empresa, e afirmou que não teve qualquer culpa pelos
problemas de saúde adquiridos.
A Shell também reforçou a
tese de invalidade do laudo pericial, afirmando que a perita nomeada pelo Juízo
"não detém o conhecimento necessário na área da toxicologia a autorizar
sua atuação no presente processo". Sustenta que a sentença é nula,
"por incorrer em julgamento ultrapetita, pois a ora recorrente foi
condenada no pagamento de ressarcimento de honorários advocatícios contratuais,
sem que houvesse pedido do autor para tanto". A Shell, a exemplo da Basf,
também negou ser parte legítima para figurar no polo passivo da lide, e
insistiu que a pretensão do operador foi fulminada pela prescrição bienal
trabalhista.
Por fim, alegou que não
há nos autos prova robusta de que o trabalhador se encontra "doente ou
incapacitado para o trabalho, nem mesmo prova de que as supostas patologias
tenham nexo de causalidade com a contaminação constatada no ambiente
laboral". Alegou ainda que "não há justificativa legal para sua
condenação solidária, eis que inexiste formação de grupo econômico entre as
rés", mas lembrou que se houver que atribuir responsabilidade a alguém,
esta deve ser atribuída apenas à Basf, por ter sido a empresa sucessora, nos
termos dos artigos 10 e 448 da CLT.
O acórdão não deu razão
às empresas, especialmente no que se refere à nulidade processual e à
invalidade do laudo pericial, ressaltando que um ofício enviado pelo Conselho
Regional de Medicina, informou que "inexiste especialidade médica na área
da toxicologia" e esclareceu que "o médico regularmente habilitado
pode praticar qualquer ato médico para o qual se sinta perfeitamente apto,
independentemente de sua especialização". Concluiu ainda que a perita é
"da mais alta confiança do Juízo, sendo que suas informações, prestadas na
qualidade de auxiliar da Justiça, são dotadas de fé pública" e que "o
laudo elaborado pela expert encontra-se muito bem fundamentado e harmônico na
correspondente conclusão, respaldado por vasta documentação, exames e
literatura científica".
Quanto à tese de
cerceamento de defesa, o acórdão dispôs que "a manifestação da recorrente
beira à má-fé", isso porque pretendia "colacionar aos autos laudos
periciais produzidos em outros processos, elaborados pela perita nomeada",
com o intuito de "demonstrar a suposta parcialidade da ilustre vistora,
pois argumenta que todos os laudos confeccionados por ela são praticamente
idênticos, carecendo da necessária atenção à situação particular de cada
ex-empregados". O acórdão ressaltou que é "evidente e natural haver
semelhanças entre os laudos", até porque "as circunstâncias fáticas
que delineiam as citadas perícias são idênticas" e que "orbitam em
torno do fato público e notório consistente na contaminação ambiental havida no
parque fabril 'Shell – Cyanamid – Basf' na cidade de Paulínia, que afetou não
só os trabalhadores que se ativaram naquele estabelecimento, mas também as
pessoas domiciliadas próximas a fábrica".
No que tange à
ilegitimidade alegada por ambas as empresas, mais uma vez o acórdão salientou
que o "inconformismo não prospera", e ressaltou que a
"legitimidade das rés decorre do fato de ser elas as possíveis
responsáveis, caso sejam procedentes os pedidos, a suportar os efeitos da
condenação".
E ainda, quanto à
prescrição, o acórdão esclareceu que "mesmo após o advento da EC nº 45/04,
deve ser aplicado o prazo prescricional regulado pelo Direito Civil, nas causas
que tratam de indenizações por danos materiais e morais decorrentes de acidente
de trabalho ou doença profissional", e justificou que "o prazo
prescricional aplicável não está relacionado à competência do órgão julgador,
mas sim à natureza da pretensão que, 'in casu', é eminentemente civil, de cunho
extracontratual, não se confundindo com as verbas contratuais
trabalhistas".
O acórdão também rebateu
as teses apresentadas pelas empresas quanto à falta de nexo causal entre a
moléstia do trabalhador e as atividades por ele desenvolvidas na empresa. A
desembargadora Ana Paula Pellegrina Lockmann citou ainda o artigo 14, parágrafo
1º, da Lei nº 6.938/81 (diploma que disciplina a política nacional do meio
ambiente), que estabelece expressamente a responsabilidade objetiva do poluidor
em razão de danos causados ao meio ambiente. E o artigo 3º, inciso III, alínea "a",
deste mesmo diploma, que considera como poluição a degradação da qualidade
ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a
saúde, o que compreende as diversas causas geradoras de doenças ocupacionais.
"Considerando que a doença ocupacional adquirida pelo autor resulta de
danos ao meio ambiente, entendo que a responsabilidade civil das reclamadas é
objetiva, conforme interpretação dos artigos 7º, caput, 200, VIII, e 225,
parágrafo 3º, ambos da Carta Magna, combinados com os artigos 3º, III,
"a", e 14, parágrafo 1º, da Lei nº 6.938/81", salientou no
acórdão.
A desembargadora rejeitou
as preliminares suscitadas pelas empresas e reduziu o montante arbitrado a
título de indenização por danos morais para R$ 300 mil. Determinou também que a
incidência de juros de mora sobre a indenização por danos morais se dê a partir
do ajuizamento da ação; e excluiu do decreto condenatório tanto o pagamento de
honorários advocatícios sucumbenciais quanto o ressarcimento dos honorários
contratuais. Manteve-se incólume, no mais, o julgado de 1º grau, tudo nos
termos da fundamentação. (Processo 0125600-49.2005.5.15.0087). Por Ana Claudia
de Siqueira