No Brasil, o regime da comunhão parcial de bens
é o regime mais adotado pelos casais.
Também não se ignora o fato de muitos casais
optarem pela informalidade da união estável. Para tais pessoas, salvo
contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais o
regime da comunhão parcial de bens.
Dessa forma, a discussão aqui tratada interessa
tanto para aqueles que são casados na comunhão parcial de bens quanto para
aqueles que vivem em união estável.
No contexto social brasileiro, e muito em função
da crise econômica do país, sabe-se que boa parcela da população não chega a constituir
grandes fortunas ao longo da vida, sendo que o principal patrimônio acumulado é
oriundo do esforço individual e fruto do TRABALHO de cada um.
Assim, muito se questiona acerca da divisão do
patrimônio do casal que vivia em regime de comunhão parcial de bens. Os
direitos trabalhistas, em especial o FGTS, devem ser partilhados em caso de
divórcio?
Inicialmente, é oportuno fazer alguns
esclarecimentos acerca do casamento pelo regime de comunhão parcial. Neste
regime de casamento, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na
constância do casamento, com as seguintes exceções (Art. 1.659 do Código Civil):
I - os
bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância
do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II -
os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em
sub-rogação dos bens particulares;
III -
as obrigações anteriores ao casamento;
IV -
as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do
casal;
V - os
bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de
cada cônjuge;
VII -
as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Assim, no regime de comunhão parcial,
comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento. Em
outras palavras, com exceção das sete hipóteses acima, todo o patrimônio
adquirido ao longo do casamento presume-se adquirido por esforço comum do
casal, portanto deverá ser partilhado, meio a meio.
Como se vê, os proventos do trabalho pessoal de
cada cônjuge (salário e demais direitos trabalhistas), pela regra expressa no Código
Civil não entra na partilha de bens, ou seja, não se comunica e não deve ser dividido.
Entretanto, o Judiciário e boa parte da
Doutrina vem mitigando ou flexibilizando a redação literal deste dispositivo.
“Apesar da determinação expressa do Código
Civil no sentido da incomunicabilidade, o STJ entende que não se deve excluir
da comunhão os proventos do trabalho recebidos na constância do casamento, sob
pena de se desvirtuar a própria natureza do regime. A comunhão parcial de bens funda-se na noção de que devem formar o
patrimônio comum os bens adquiridos onerosamente na vigência do casamento. Os
salários e demais ganhos decorrentes do trabalho constituem-se em bens
adquiridos onerosamente durante o casamento. Pela lógica, devem se comunicar”
(Márcio André Lopes Cavalcante – comentários ao Informativo 581-STJ).
"Não há como excluir da universalidade dos
bens comuns os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (CC, art. 1.659,
VI). Ora, se os ganhos do trabalho não
se comunicam, nem se dividem pensões e rendimentos outros de igual natureza,
praticamente tudo é incomunicável, pois a maioria das pessoas vive de seu
trabalho. O fruto da atividade laborativa dos cônjuges não pode ser considerado
incomunicável, e isso em qualquer dos regimes de bens, sob pena de aniquilar-se
o regime patrimonial, tanto no casamento como na união estável, porquanto
nesta também vigora o regime da comunhão parcial (CC, art. 1.725). (...) De
regra, é do esforço pessoal de cada um que advêm os créditos, as sobras e
economias para a aquisição dos bens conjugais. (...) (DIAS, Maria Berenice.
Regime de bens e algumas absurdas incomunicabilidades. Disponível em:
www.mariaberenice.com.br)
Portanto,
os direitos trabalhistas, inclusive o FGTS, foram adquiridos ANTES ou DEPOIS do
casamento não se comunicam. Os direitos trabalhistas, inclusive o FGTS, quando adquiridos DURANTE o casamento, se comunicam e devem ser partilhados.
“Os
proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do
casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação,
tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum
dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos
consortes e do outro não. A incomunicabilidade prevista no inciso VI do art.
1.659 do CC somente ocorre quando os valores são percebidos em momento anterior
ou posterior ao casamento. STJ. 2ª Seção”. REsp 1.399.199-RS, Rel. Min. Maria
Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
9/3/2016
Diante
do divórcio de cônjuges que viviam sob o regime da comunhão parcial de bens,
não deve ser reconhecido o direito à meação dos valores que foram depositados
em conta vinculada ao FGTS em datas anteriores à constância do casamento e que
tenham sido utilizados para aquisição de imóvel pelo casal durante a vigência
da relação conjugal. Ao contrário, deve ser reconhecido o direito à meação dos
valores do FGTS auferidos DURANTE a constância do casamento, ainda que o saque
daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal. Os
proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do
casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação,
tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum
dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos
consortes e do outro não. A incomunicabilidade prevista no inciso VI do art.
1.659 do CC somente ocorre quando os valores são percebidos em momento anterior
ou posterior ao casamento. STJ. 2ª Seção. REsp 1.399.199-RS, Rel. Min. Maria
Isabel Gallotti, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
9/3/2016.
O
mesmo raciocínio é válido caso um dos cônjuges ingresse com uma ação
trabalhista. Caso obtenha êxito na ação, as verbas trabalhistas devidas por
força de decisão judicial, ainda que pendentes de pagamento, devem ser
partilhadas quando demonstrado que se relacionam ao período de convivência dos
cônjuges (ou companheiros).
Caso o FGTS recolhido no período em que
perdurou o casamento ou a união estável não seja liberado antes do fim do
relacionamento, o valor da meação deverá ser integrado no cálculo da partilha e,
caso não seja possível o abatimento, deverá ser reservado junto ao órgão
gestor, a Caixa Econômica Federal.
Caso o FGTS tenha sido utilizado na aquisição
de imóvel do casal, deve-se apurar os valores que foram depositados na conta
vinculada antes e depois do casamento ou do início da união estável. Por
exemplo: caso o FGTS utilizado tenha sido integralmente recebido antes do
casamento, não se cogitará a divisão do patrimônio e o imóvel pertencerá
exclusivamente ao cônjuge que utilizou o fundo.
Edgar Yuji Ieiri