sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Pense bem antes de pedir demissão.

 


 
Um ex-funcionário do Burger King entrou com processo em nosso escritório após ter sido sistematicamente humilhado e assediado pelos demais atendentes e pelo coordenador do fast food que o levou a pedir demissão. O caso deste cliente é mais um caso de discriminação e preconceito sexual que será a seguir relatado.

Esse profissional permaneceu por um determinado período afastado do trabalho e quando retornou estava visivelmente mais magro e debilitado. Espalhou-se pela empresa que o empregado era portador de HIV e esse trabalhador passou a ser vítima de preconceito e assédio moral praticado pelos demais atendentes e pelo coordenador do restaurante.

O trabalhador foi diversas vezes ofendido de “viado”.

No caso supracitado, é evidente o vício de consentimento pelo erro do autor e pela prática dolosa e mal-intencionada da lanchonete que induziu o nosso cliente a pedir demissão ao colocá-lo em condições de trabalho desfavoráveis e ilegais, o que tornou possível a conversão do pedido de demissão em rescisão indireta para que o mesmo saísse da empresa sem perder nenhum de seus direitos e também uma indenização por danos morais devido ao ocorrido.

Os pedidos foram reconhecidos em primeira instância.

Outra questão interessante foi a discussão acerca do vale-refeição. De acordo com a Convenção Coletiva do Sindicato, as empresas eram obrigadas a pagar aos trabalhadores vale-refeição de mais ou menos R$13,00 a cada dia trabalhado, exceto aquela que forneçam refeição aos trabalhadores do estabelecimento.

O Burger King se defendeu alegando o fornecimento dos lanches produzidos pela própria franquia.

Ocorre que os lanches produzidos pelo BK não poderiam substituir o benefício não concedido. Tais alimentos não são equiparados a uma refeição, de modo que o propósito da norma não foi atendido.

Segundo a sentença: “Ressalte-se que é público e notório que uma alimentação à base de lanches - a chamada fast food – não oferece os valores nutricionais mínimos necessários ao ser humano; ao contrário, a longo prazo, causa sérios danos à saúde [...] Portanto, procede o pedido de indenização do tíquete refeição não concedido, por todo o pacto laboral, observados os valores e vigência das normas coletivas juntadas aos autos, no valor de R$ 3.758,41”.

A r. sentença ainda citou o seguinte julgado:

Vale-refeição. Cláusula coletiva que determina o fornecimento de refeição. Lanches in natura comercializados pela ré. Valor nutricional insatisfatório. Direito fundamental à saúde. Finalidade da norma não atingida. Indenização devida. A cláusula coletiva não pode ser analisada de forma isolada e abstrata, mas sim de forma sistemática, de acordo com os princípios e demais regras trabalhistas. Dentre muitos outros, denota-se da Constituição Federal uma especial preocupação com a saúde, assim entendida em sentido lato. O art. 6º, por exemplo, que abre o capítulo dos direitos sociais, enaltece a saúde como um dos elementos indispensáveis da pessoa. Na hipótese dos autos, a expressão "refeição" constante da cláusula normativa certamente não teve como pressuposto a concessão de lanches, quanto mais os lanches da reclamada (McDonald's) que - independente do paladar - certamente não se inserem no conceito de uma refeição saudável. Tal conclusão é facilmente verificada quando se compara os valores nutritivos dos lanches fornecidos e os limites estabelecidos pelo Ministério do Trabalho por meio da Portaria Interministerial nº5, de 1999, do Ministério do Trabalho e Emprego, regulamentadora do Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT. Aliás, é público e notório que o intitulado "fast-food" não consiste numa forma de alimentação saudável, conforme reiteradamente se constata dos estudos médicos. Indenização decorrente do não fornecimento do vale-refeição devida. (TRT 2a Região - RO00022898720145020080 - Relator: Valdir Florindo - Turma: 6ª- Data de julgamento: 07/07/2015 – Data de publicação: 15/07/2015)


Mesmo após tal sentença, o Burger King recorreu através de Recurso, alegando que não seria cabível tal condenação, uma vez segunda a mesma, não fora comprovado dano efetivo, sob pena de se caracterizar o dano por mera presunção.

Após recurso para o TRTSP, manteve-se a decisão no que tange ao pedido de dano moral e o valor à título de indenização pelo vale-refeição não concedido. Segundo o Relator Desembargador Nelson Nazar “o documento juntado com a defesa da reclamada (carta de demissão), revela que o reclamante solicitou, de próprio punho, o desligamento, por motivos particulares [...] Registre-se, que nos termos do art. 151, do Código Civil a coação para viciar a declaração de vontade há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa e à sua família, ou aos seus bens".

Concluiu afirmando que “não há como presumir vício de consentimento no pedido de demissão firmado pelo reclamante em face dos constrangimentos sofridos no ambiente de trabalho”.

Infelizmente o TRTSP analisou o caso através do conceito de “coação” do Direito Civil (art. 151 do CC), quando na verdade se tratava de “erro ou ignorância” (art. 138 do CC) que influenciou a formação da vontade do trabalhador.

O “erro” de vontade do declarante impede que se forme em consonância com sua verdadeira motivação. O agente emite sua vontade de modo diverso do que a manifestaria se dele tivesse conhecimento exato ou completo. No caso concreto, o trabalhador pretendia se desligar por um motivo justificável (rescisão indireta) mas acabou formalizando um documento de desligamento imotivado (pedido de demissão).

Sendo assim, o correto a se fazer em situações como essa, seria o trabalhador procurar um advogado ANTES de solicitar o desligamento da empresa, pois nem sempre é possível anular o pedido de demissão, ainda que se consiga provar uma gravíssima justificativa para se romper o contrato por culpa do empregador.

(Processo n. 1000671-62.2018.5.02.0432)