Você sabia que o seu celular pode ser uma arma importante em uma ação trabalhista?
Afirmamos isso com base no caso de um cliente que foi funcionário de uma empresa de pinturas e reformas, de janeiro/2019 a setembro/2019, atuando na função de pedreiro e pintor.
Esse cliente, assim como muitos trabalhadores, iniciou no emprego de maneira informal, sem o registro em carteira, e assim permaneceu durante os seis primeiros meses. Após cobrar insistentemente o seu registro, esse trabalhador acabou tendo a sua carteira registrada apenas nos últimos três meses de contrato.
Além de não ter a carteira registrada na data correta, esse pedreiro/pintor, que recebia salário de R$130,00 por dia (ou R$2.600,00 por mês), foi registrado apenas com o salário de R$1.600,00 por mês. Ou seja, em termos práticos, ele acabou recebendo R$1.000,00 “por fora”.
Como resolver esse problema? Como esse trabalhador poderia reunir provas de que começou trabalhando sem registro e que recebe salário superior ao registrado em carteira?
É importante você saber que uma gravação feita pelo telefone celular, ainda que de forma “clandestina”, sem a autorização e a ciência da outra parte, pode servir como prova em um processo trabalhista.
Esse trabalhador, com a orientação do nosso escritório, gravou um diálogo entre ele e um dos sócios da empresa. Neste áudio foi possível comprovar não só que o registro foi feito incorretamente, mas também que esse trabalhador recebia o salário “por fora”. Vou transcrever alguns trechos:
- Oi, Seu Geraldo, tudo bem?
- Você
está calminho, hoje?
- Estou sossegado.
- Cara, vamos conversar aqui? Calminho, calminho... [...]
- Eu tava preocupado porque o dinheiro não dava para fazer o pagamento seus. Você foi o primeiro a receber, está entendendo? Eu estava com medo do dinheiro aqui que não dava paga pagar vocês. Eu fiquei nervoso, porque não quero dever para vocês. Para mim o dinheiro mais sagrado que existe é de quem trabalha. Então eu não nem vou em casa para pegar a anotação que eu tenho. No banco eu já passo aqui e quero acertar com vocês. [...]
02:50
- Depois que eu fiz os pagamentos, eu até lembrei que você falou, “não, tudo bem você não quer pagar”. Mas não é de não querer pagar... Então você que não entendeu, porque na Páscoa, eu dei a vocês o “Ovo de Páscoa”... aquilo eu dei! Eu fiz o valezinho de R$250,00 cada um porque eu pensei o seguinte: é Páscoa, às vezes ele quer comprar uma coisa diferente... sei lá... comer alguma coisa diferente. Foi onde eu fiz o valezinho para todo mundo, você entendeu? [...]
- Olha bem deixa eu te falar! Eu não posso fazer nada a mais para você, porque os outros não levam isso. Ninguém leva, Você estava falando negócio de aposentado. Aposentado aí é o Chiquinho. Mas ou outros aí não são aposentados. Então, os R$130,00 que eu pago para eles eu pago pra você do mesmo jeito, mas me desculpa, no dia em que você não vier trabalhar, você não vai receber. Eu vou ter que descontar! [...]
- Eu esquentei a cabeça na hora e eu estou te falando até porque. É que eu fiquei preocupado. Mas eu te dei R$150,00 a mais na brincadeira toda, você sabe disso. Paguei R$750,00 de vale e mais R$2.000,00 que eu mandei te entregar!
O sócio da empresa cita a gratificação que pagou ao trabalhador, na Páscoa de 2019 (antes do registro em carteira), e também confessa que o valor real do salário é de R$130,00, esclarecendo ainda que no último mês chegou a pagar ao obreiro R$750,00 de vale e mais R$2.000,00 em espécie.
Portanto, fazendo o uso da gravação, entramos com um processo trabalhista em face da empresa reivindicando a retificação das anotações em carteira e o reconhecimento do salário “por fora”. E deu certo!
Embora a empresa tenha mentido ao afirmar para o juiz que o trabalhador havia sido contratado em julho/2019 e não em janeiro/2019 e que o salário dele nunca foi de R$130,00 por dia ou R$2.600,00 por mês, a decisão do Desembargador WILSON FERNANDES reconheceu a versão o trabalhador dando validade ao conteúdo da gravação:
“O trecho do áudio transcrito a fls. 07 - id 4234f03 (arquivo - fls.95 - id 697a65b) comprova a prestação de serviços desde antes da Páscoa de 2019, que ocorreu no mês de abril"
“O trecho do áudio transcrito a fls. 08 (id 4234f03) comprova tanto a prática da ré de saldar parte do salário "por fora", como o valor indicado pelo autor”.
“ACORDAM os Magistrados da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: do recurso CONHECER interposto e DAR-LHE PROVIMENTO PARCIAL para reconhecer o vínculo de emprego desde 1º de fevereiro de 2019 e acrescer à condenação o pagamento de diferenças de 13º salário, férias acrescidas de 1/3, FGTS + multa de 40%, bem como para fixar o salário percebido pelo reclamante em R$2.600,00 por mês e incorporar à condenação o pagamento de diferenças de férias acrescidas de 1/3, 13º salário, FGTS e aviso prévio. Deverá a 1ª ré retificar a CTPS do autor, em 5 dias após o trânsito em julgado, mediante intimação específica, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (limitada a R$ 5.000,00)”.
Como você pode ver, com base nas gravações realizadas pelo próprio trabalhador, conseguimos a condenação da empresa para que a mesma retificasse o registro na carteira tanto com relação à data de admissão quanto em relação ao valor do salário.
Processo n. 1000282-95.2020.5.02.0080