terça-feira, 15 de setembro de 2020

Empregado que dormia durante o horário de trabalho tem a justa causa anulada pela Justiça do Trabalho

 

A empresa SERCOM LTDA, que presta serviços para a PREVENT SENIOR PRIVATE OPERADORA DE SAUDE LTDA, demitiu recentemente 04 funcionários por justa causa. Na ocasião, a empresa não esclareceu aos trabalhadores o motivo pelo qual estavam sendo desligados. A rescisão foi feita sem o conhecido “aviso de dispensa”.

 

Nesta situação, a Justiça do Trabalho vem decidindo pela nulidade da justa causa, pois a discriminação da conduta se mostra importante para que o trabalhador tenha conhecimento do suposto ato faltoso e saiba da exata queixa contra si levantada e, assim, possa demandar em juízo em face dela, bem assim para que o empregador não se veja tentado a acrescentar reclamações outras após a dispensa, surpreendendo seu adversário em plenos autos de processo com a alegação serôdia de falta grave que não lhe foi dada a conhecer na devida oportunidade (TRT-23 - RO: 1104200805623006 MT 01104.2008.056.23.00-6, Relator: DESEMBARGADOR ROBERTO BENATAR, Data de Julgamento: 19/04/2011, 1ª Turma, Data de Publicação: 26/04/2011).

 

Em outro artigo do nosso Blog, falamos da importância das gravações das conversas entre empregado e empresa durante o ato de desligamento.

 

Neste caso, no dia da entrega do termo de rescisão e da carteira de trabalho, os funcionários ora demitidos gravaram através do aparelho celular pessoal a conversa com o representante da SERCOM que se negou a esclarecer qual teria sido a falta cometida pela reclamante e por mais três colegas de trabalho que também foram no mesmo dia desligados por justa causa.

A despeito da falta de indicação da conduta gravosa e a completa ausência de tipificação legal, a reclamante, assim os funcionários ora demitidos, entraram com ação contra as empresas supracitadas requerendo a nulidade da dispensa por justa causa e reversão em dispensa sem justa causa, além do pagamento das verbas rescisória típicas dessa modalidade de extinção de contrato de trabalho.

 

Em posicionamento contestatório, a SERCOM alegou desídia no desempenho das funções e mau procedimento, afirmando que os trabalhadores foram flagrados dormindo em alguns dias no local de trabalho e durante o horário de expediente.

 

Segundo a empresa: “os reclamantes demonstram o total desleixo ao levarem cobertores, travesseiros de pescoço, colocar os pés nas outras cadeiras para cochilarem, conforme prints do circuito interno de vigilância abaixo”:

 

 


 

No entanto, a instrução processual demonstrou que os trabalhadores se ativavam em um Call Center durante a madrugada, com baixíssimo fluxo de ligações e sempre dormiam no trabalho com o conhecimento de seu supervisor. Tal fato foi comprovado através de “prints” de conversas de um grupo de aplicativo de mensagem instantânea entre o supervisor e os funcionários dispensados.

 

Além disso, outros empregados que também foram flagrados dormindo pelas câmeras de segurança não foram desligados.

 

Vale ressaltar que a referida conversa só fora apresentada aos autos posteriormente à apresentação da contestação, pois conforme o áudio do desligamento, os ex-funcionários não foram avisados do motivo de sua dispensa. Por tal razão, permitiu-se a apresentação de provas após a apresentação da defesa.

 

Em audiência, uma testemunha afirmou ter presenciado o momento em que se negaram a esclarecer o motivo da justa causa e firmou que era rotina dormirem na operação, vez que o volume de ligação por turno era extremamente baixo, tendo em torno de apenas 2 ligações por turno e que muitos dias o sistema ficava inoperante. O supervisor da equipe, que nem sempre estava presente durante a madrugada, chegou a ver os funcionários dormirem e nunca repreendeu tal comportamento.

 

Em sentença, o juiz que julgou o processo afirmou que a empresa foi extremamente rigorosa ao aplicar imediatamente a penalidade mais grave, uma vez que poderia ter aplicado suspensão, não tendo utilizado de meios educativos para sanar o problema no caso concreto, optando por solução drástica, julgando que houve excesso na punição imposta pela empregadora, declarando nula a dispensa motivada do contrato, convertendo-a em rescisão sem justa causa por iniciativa da empregadora e condenando ao pagamento da rescisão de tal modalidade de dispensa (princípio da proporcionalidade).

 

O TRT2 manteve a sentença de primeira instância acrescentando ainda outra fundamentação:

 

“A prática (de cochilar) era amplamente tolerada pela reclamada, por meio do seu supervisor. Se o supervisor William, conforme relata em seu depoimento, já presenciou a reclamante cochilando em serviço, por certo que ao adverti-la apenas verbalmente demonstrou que, para a empresa, tal prática não se demonstrava tão grave, ponderada a majoração, de natureza leve, da penalidade aplicada”.

 

“Destaca-se, ainda, que um dos requisitos da aplicação da justa causa, falta grave a justificar a resolução contratual, é o princípio da não discriminação, ou seja, não podem os empregados envolvidos no fato ensejador da dispensa motivada serem penalizados desigualmente pela prática do mesmo ato, situação que restou comprovada nos autos, ponderado o depoimento da testemunha ouvida a pedido da reclamada.

 

Como já mencionado anteriormente, outros empregados que também foram flagrados dormindo pelas câmeras de segurança não foram desligados e dentro deste contesto fático, a Justiça do Trabalho reconheceu que a justa causa foi mal aplicada pelo empregador.

 

(Processo n. 1000981-18.2019.5.02.0502)