Uma das primeiras reivindicações da classe operária foi a limitação da jornada de trabalho. Sua
conquista representou um grande avanço para o estabelecimento de padrões
mínimos de dignidade do trabalhador, além de ser uma medida de proteção física,
mental e também social.
Nos dias de hoje, com a
competitividade cada vez mais acirrada, aumentam também as exigências e a
cobrança por resultados (a tão falada produtividade), sendo quase impossível
cumprir todas as tarefas dentro da jornada regular de trabalho. Prova disso é o
grande número de demandas na Justiça do Trabalho com pedidos de horas extras
não pagas, e uma tendência de flexibilização da jornada.
Uma grande dúvida pode
surgir para aquelas pessoas que trabalham fora das dependências da empresa e
realizam funções incompatíveis com a fixação de horário de trabalho, como nos
casos dos vendedores externos que viajam longas distâncias, por exemplo.
É possível apurar a
jornada efetivamente realizada?
Pela falta de um registro formal dos horários de entrada e
saída na empresa, é possível mensurar as horas
extras?
O que
a legislação trabalhista fala a respeito do controle de jornada do trabalho externo?
Ainda existe alguma
atividade externa em que o controle é totalmente impossível?
É o que explicaremos no texto de hoje.
Vamos lá?
Quais são os trabalhos considerados externos?
O trabalho externo é
aquele cuja atividade não se inicia nem termina nas dependências da empresa.
Alguns exemplos são os vendedores que viajam longas distâncias, entregadores, fiscais
de obras, alguns motoboys, representantes comerciais, alguns motoristas,
promotores de merchandising, analistas de eventos e decoradores, entre outros
cargos e profissões que exigem o exercício da função em ambientes externos.
Como funciona o controle de jornada no trabalho externo?
A Lei Trabalhista
determina que os estabelecimentos com mais de 10 funcionários são obrigados a
manter um controle de ponto, tanto para o trabalho interno como para o trabalho
externo, e o não cumprimento dessa obrigação pode gerar altos custos e multas
pela fiscalização trabalhista.
Apesar da regra geral ser o controle da jornada de
trabalho, a Lei[1]
traz uma exceção quando esse controle não for possível de se fazer, como nos
casos que citamos acima dos trabalhadores externos.
No
entanto, atualmente, qualquer pessoa possui acesso rápido e fácil
a aparelhos digitais que enviam e recebem informações instantaneamente, e as
redes de cobertura dos sinais de telefonia e internet estão cada vez maiores.
Lugares que antes estavam digitalmente isolados agora estão completamente
conectados.
Em 2017, segundo o IBGE[2],
97,0% dos brasileiros acessaram a internet através do celular. Além disso, o
país já possuía 126,4 milhões de usuários de internet, o que representava 69,8%
da população com 10 anos ou mais.
Ou seja, o empregador
pode ter acesso em tempo real ao desenvolvimento dos serviços do seu
funcionário.
Por exemplo, além de
saber a exata localização e velocidade do veículo conduzido pelo motorista, a
empresa poderá ser alertada em caso de mudanças de rota e paradas não
programadas, podendo até mesmo bloquear o veículo à distância se rastreado por
satélite.
Se pararmos para pensar,
o controle da jornada é até maior nessas situações do que o realizado sobre os
trabalhadores internos, que podem parar para tomar um café, ir ao banheiro ou
conversar com algum colega sem serem notados.
A possibilidade de controle do trabalho externo é uma
realidade totalmente acessível à maior parte da população através de aparelhos
simples e baratos. É, inclusive, uma situação amplamente visualizada no
cotidiano das relações de trabalho atuais. Várias empresas têm adotado sistemas
de registro de jornada remotos ou mesmo o controle direto ou indireto através
de ligações telefônicas e aplicativos de mensagens instantâneas.
Outro exemplo
interessante é o controle das atividades externas dos motoristas particulares.
O trabalhador poderá fazer simples anotações em documentos levados consigo. O
controle pelo empregador das jornadas anotadas é totalmente viável a partir da
produção do trabalho do empregado, sendo possível a verificação de um tempo
médio que se leva em qualquer trajeto.
É importante deixar claro
que, para que o funcionário não esteja submetido à duração normal da jornada de
trabalho, a impossibilidade de controle de horas deve ser ampla. Ou seja, a
mera dificuldade ou a existência de meios indiretos de controle inviabilizam o enquadramento do empregado
nessa exceção.
Portanto, até meios
manuais (papeletas, livros de registro, cartões de ponto), informatizados
(equipamentos eletrônicos de envio de dados), tempo médio de rotas,
telefonemas, dentre outros confiáveis podem servir para fins de controle da
jornada de trabalho.
É o entendimento
predominante do Tribunal, aliás, que o mero desinteresse do empregador em
controlar os horários não o desobriga de proceder ao registro necessário, já
que é um direito social fundamental do trabalhador.
Como ficam as horas extras do trabalhador externo?
Justamente
pela incompatibilidade de controle e fiscalização da jornada de trabalho, a
Justiça do Trabalho não reconhece em favor do trabalhador o direito às horas
extras.
No entanto, como vimos,
essa regra não se aplica quando é possível a fiscalização e controle de
horário, mesmo que o empregado exerça
atividade externa ou trabalhe em home
office.
Se for possível, de algum
modo, saber se o funcionário está trabalhando, ele tem direito às horas extras efetivamente prestadas, aos
intervalos intrajornada e interjornada, bem como ao repouso semanal remunerado.
Conclusão
A existência de exceções
legais ao controle de jornada pelo simples fato de o empregado exercer
atividade externa leva apenas à uma insegurança jurídica e está totalmente fora
da realidade. Toda jornada de trabalho externo é controlável, podendo-se
utilizar os mais variados meios para tanto.
Se por um lado o
empregado que não está sujeito ao controle de sua jornada acaba excedendo
habitualmente os limites legais (muitas vezes em seus momentos de descanso),
por outro o empregador que se utiliza desse expediente assume um grande risco
de ser condenado ao pagamento de horas em uma possível reclamação trabalhista.
[1] Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto
neste capítulo:
I
- os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de
horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e
Previdência Social e no registro de empregados;