segunda-feira, 7 de junho de 2021

A divisão da gorjeta entre os trabalhadores do restaurante

 Você já deve saber que alguns bares, lanchonetes e restaurantes costumam cobrar uma taxa de serviço (gorjeta), que geralmente são aqueles 10% que vem na comanda, não é mesmo?

O pagamento é opcional e o consumidor só paga se quiser. Sempre foi assim. Mas para efeitos trabalhistas, as gorjetas são classificadas em gorjetas espontâneas e compulsórias. Vamos entender melhor?

ESPONTÂNEAS X COMPULSÓRIAS

Em certos estabelecimentos a gorjeta é considerada espontânea, pois a quantia paga pelo cliente é repassada diretamente ao empregado sem a interferência do estabelecimento. A gorjeta de 10% não é incluída automaticamente na comanda e o estabelecimento não promove a sua arrecadação.

Por exemplo, nos restaurantes por quilo, nas pastelarias de rua ou em sorveterias, ninguém é surpreendido com a taxa de serviço de 10%, mas nada impede que o próprio cliente, satisfeito com o atendimento, possa generosamente gratificar esse funcionário com uma “caixinha”.

Nesse tipo de estabelecimento, o rateio das gorjetas é responsabilidade dos próprios trabalhadores, mas normalmente os valores oferecidos diretamente ao empregado ficam com aquele que recebeu.

Quando as gorjetas são espontâneas, administradas e rateadas pelos próprios empregados, não é possível ao empregador precisar quanto cada um deles aufere mensalmente como o rateio das gratificações.

Por isso, nesses casos, constará em holerite uma estimativa de gorjeta cujo valor deverá ser acordado junto ao sindicato profissional.

As empresas não estão obrigadas a pagar o valor da estimativa de gorjetas, mas apenas incluí-lo nos holerites para efeitos dos cálculos previdenciários (INSS) e trabalhistas (Férias, 13º salário e FGTS). Assim, a estimativa ingressará no vencimento do holerite e sairá como desconto.

Para Convenção Coletiva da Categoria, não é considerada espontânea a gorjeta que for paga por meio de cartões de crédito ou débito, mesmo a pedido do cliente. Isso porque, a partir do momento em que o estabelecimento promove a sua arrecadação, a modalidade passará a ser de gorjeta compulsória.

A gorjeta é considerada compulsória quando o estabelecimento estimula o seu pagamento incluindo automaticamente a taxa de serviço na comanda do cliente. Mas apesar da nomenclatura “compulsória”, os clientes que não desejarem pagar o valor discriminado, não podem ser constrangidos a fazê-lo (Direito do Consumidor).

Em outras palavras, se a cobrança é feita e o valor é recebido pelo estabelecimento, a gorjeta é considerada compulsória e tal montante deve ser dividido e repassado aos funcionários, ao final do dia, ao final da semana ou ao final do mês.

Não se trata de mera estimativa, pois se o estabelecimento tem o controle da arrecadação das gorjetas, o valor deve rigorosamente dividido entre os empregados e inseridos nos holerites de forma discriminada.





O REPASSE DAS GORJETAS

Como explicado anteriormente, irrelevante a discussão sobre a obrigatoriedade ou não do pagamento das gorjetas ou taxa de serviço pelos clientes. Sabemos que constranger o consumidor a pagar os 10% é prática abusiva e ilegal, portanto, em nenhum estabelecimento a gorjeta é compulsória ou obrigatória.  

Mas a partir do momento em que o estabelecimento faz a arrecadação dos 10% em nome dos seus empregados, lançando a taxa no fechamento da conta dos clientes, compete ao empregador manter pleno controle de sua escrituração, de modo a efetuar o repasse correto e transparente do montante ao final do mês.

As empresas enquadradas no regime de tributação do Lucro Presumido ou Lucro Real, poderão fazer a retenção de 33% do valor das gorjetas para pagamento dos encargos sociais e previdenciários. Já as empresas enquadradas no Simples Nacional poderão descontar o valor de 20% para tal finalidade.

Aqui em São Paulo, desde 2018, é obrigatória a assinatura do Termo de Implantação das Gorjetas junto ao sindicato profissional Sinthoresp.

Além disso, as empresas com mais de 60 empregados deverão formar comissões de empregados para fiscalização e repasse das gorjetas. Nas empresas com menos de 60 empregados, a fiscalização e o acompanhamento do repasse será feito pelos dirigentes sindicais, sendo facultada a formação de comissão local de empregados para imprimir transparência nos procedimentos de repasse e integração das gorjetas.

Entretanto, é comum os estabelecimentos não fazerem o repasse correto dos valores e não esclarecerem aos empregados o montante arrecadado. Particularmente em nosso escritório, nunca me deparei com um estabelecimento que tenha celebrado o Termo de Implantação das Gorjetas ou que tenha instituído uma comissão interna de empregados para fiscalização e repasse das gorjetas.

Mas qual é o tratamento dado pelo Judiciário quando isso acontece?

O que normalmente ocorre é a nomeação de perícia contábil ainda na fase de instrução do processo:

1. GORJETAS. PERÍCIA CONTÁBIL QUE DEMONSTRA O REPASSE IRREGULAR AOS EMPREGADOS. DIFERENÇAS DEVIDAS. Hipótese em que o Sindicato Autor pretende o pagamento de diferenças de gorjetas aos empregados da Ré, apontando o repasse de valores inferiores aos devidos. Comprovada por meio de prova pericial contábil a existência de créditos a título de gorjetas a favor dos empregados da Demandada, correta a r. Sentença na qual determinada a quitação respectiva. 2. HONORÁRIOS PERICIAIS. ARBITRAMENTO. REQUISITOS. O arbitramento de honorários deve considerar a dupla finalidade de indenizar as despesas realizadas para a confecção do laudo e de remunerar o labor técnico desenvolvido, segundo padrões razoáveis, assentados em critérios de tempo, lugar e qualidade do laudo apresentado. Constatado que restou arbitrado valor excessivo, devida a redução pretendida. Recurso parcialmente conhecido e parcialmente provido. (TRT-10 - RO: 01561201000710006 DF 01561-2010-007-10-00-6 RO, Relator: Desembargador Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 18/12/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: 24/01/2014 no DEJT)


A conclusão das perícias vai variar de caso a caso, mas, de modo geral, em razão da pobreza dos documentos que normalmente são apresentados em juízo, a perícia contábil conclui que o repasse não é feito corretamente aos trabalhadores.

CONCLUSÃO: COMO VOU SABER SE ESTOU SENDO LESADO?

A empresa não cobra taxa de serviço (10%):
Nesse caso, seu holerite deve indicar uma estimativa de gorjeta. O valor da estimativa de gorjeta é previsto no Termo de Implantação das Gorjetas Espontâneas, cuja cópia deve ser fornecida ao trabalhador. Se a empresa não fornecer esse termo ou se não houver nenhum valor de estimativa de gorjeta em seu holerite, possivelmente você está sendo lesado.

A empresa cobra taxa de serviço (10%):
Nesse caso, seu holerite deve indicar o valor real das gorjetas pagas pelos clientes. As regras de distribuição devem estar previstas no Termo de Implantação das Gorjetas Compulsórias. A distribuição dos valores deve ser fiscalizada por uma comissão de empregados ou pelo dirigente sindical. Se a sua empresa não presta contas dos valores recebidos, possivelmente você está sendo lesado.