quarta-feira, 12 de abril de 2023

Representante comercial autônomo ou vendedor com vínculo de emprego?


 

Não faz muito tempo que recebi em meu escritório uma pessoa que trabalhou para uma loja de roupas e não teve a carteira de trabalho registrada, não teve a conta de FGTS criada e nenhum recolhimento previdenciário (INSS).

 

Ela me contou foi que sempre trabalhou como vendedora de loja e era isso que gosta de fazer, pois sempre foi muito interessada em moda e estava fazendo um curso nessa área.

 

Mas por estar há um tempo desempregada e com uma filha de pouco mais de um ano, precisava voltar ao trabalho e estava disposta aceitar a primeira oportunidade que aparecesse. Ela então se dirigiu à região do Brás (São Paulo SP) e deixou seu currículo em várias lojas da região. E foi assim que conseguiu uma entrevista de emprego.

 

Nesta conversa, foi explicado que ela deveria constituir um CNPJ para que fosse firmado contrato de representação comercial com a loja, uma forma de contratação de “PJ” ou “pejotização”. Mas como essa trabalhadora não possuía CNPJ aberto em seu nome e a loja tinha urgência na contratação, foi redigido às pressas um contrato de representação comercial com diversos problemas técnicos.

 

E foi assim que ela começou a trabalhar, mas não antes de ter passado por um exame admissional!!! Sim, um exame médico para atestar a sua saúde para desempenha a função de vendedora. Estranho, não é mesmo? Afinal, que empresa faz um exame médico admissional para contratar um profissional liberal autônomo?

 

Ela me relatou ainda que sua jornada de trabalho era controla por meio de uma folha de ponto. Seu pagamento, envolvia uma parcela fixa mais uma parcela variável de comissões.

 

Seu trabalho se assemelhava a de um empregado efetivo registrado, pois fazia a organização de loja, organizava mercadorias, arrumava vitrines, fazia o atendimento ao cliente (lojista ou consumidor final), fazia empacotamento de mercadorias, fazia emissão de notas, fazia cotações, ou seja, rotinas internas e administrativas.

 

As mensagens de WhatsApp da equipe de vendedores mostram ainda que ela era constantemente cobrada para atingir metas de vendas.

 

Neste cenário, seria ela realmente um representante comercial autônomo ou uma vendedora empregada? Vejamos a seguir os requisitos da relação de emprego!

 

 

- PESSOA FÍSICA: A lei não permite que uma pessoa jurídica celebre um contrato de trabalho celetista com outra pessoa jurídica ou pessoa física. O empregador pode ser uma pessoa jurídica ou uma pessoa física, mas o empregado é sempre uma pessoa física. HOMERO BATISTA acrescenta que “se ficar demonstrado que a abertura de uma pessoa jurídica foi feita apenas para camuflar uma relação de emprego e para celebrar um contrato civil ou comercial de prestação de serviços, o empregado poderá alcançar os mesmos direitos trabalhistas mediante decisão da Justiça do Trabalho”.

 

- HABITUALIDADE: Aqui não importa a frequência ou quantidades de dias ou horas trabalhadas, mas sim a expectativa de que a pessoa apareça para trabalhar. O jurista HOMERO BATISTA exemplifica: “Preenche os requisitos da habitualidade o professor de matemática que leciona apenas uma aula por semana, toda segunda-feira pela manhã, pois a repetição é razoável e esperada”.

 

- SUBORDINAÇÃO: É o elemento mais implícito de qualquer contrato de trabalho. O empregador manda e o empregado cumpre ordens, pois é a empresa que detém o poder diretivo e administra os meios de produção. Aqui cabe um parênteses, o símbolo maior de subordinação, a meu ver, é o cartão de ponto. Até existe um jargão de um certo partido político: Quem bate cartão, não vota em patrão!

 

- ONEROSIDADE: Quem trabalha a título gratuito e de forma voluntária, não é empregado. Para ser empregado, é necessário trabalhar em troca de salário. O empregado não assume os riscos da atividade econômica (alteridade).

 

- PESSOALIDADE: O trabalho não pode ser prestado por qualquer pessoa e tem caráter personalíssimo. A ausência do empregado causa um manifesto prejuízo na rotina da empresa, já que o objeto central do contrato é a sua força de trabalho. A pessoalidade seria o oposto da impessoalidade, ou seja, a indiferença sobre quem execute os serviços.

 

 

Agora veja o que diz a Lei do Representante Comercial (LEI Nº 4.886/1965):

 

Art. 1º - Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.

 

Art. 2º - É obrigatório o registro dos que exerçam a representação comercial autônoma nos Conselhos Regionais criados pelo art. 6º desta Lei.

 

Art. 5º - Somente será devida remuneração, como mediador de negócios comerciais, a representante comercial devidamente registrado.

 

 

CONCLUSÃO

 

No caso desta vendedora, os requisitos da relação de emprego são facilmente identificados.

 

- A existência de um controle de ponto e escalas de trabalho evidenciam a habitualidade, a subordinação e a pessoalidade.

 

- O exame médico admissional também revela o caráter personalíssimo da prestação de serviços.

 

- O pagamento da remuneração fixa mensal demonstra que a empresa contava com o trabalho dessa vendedora para uma determinada carga horária, pois ninguém paga uma remuneração fixa para quem não tem uma jornada mínima a ser cumprida (onerosidade e habitualidade).

 

- A cobrança de metas demonstra a existência de subordinação.

 

 

Além disso, podemos ainda citar a ausência de requisitos mínimos de existência e validade de um contrato de representação comercial:

 

- A vendedora não tem registro no CORE - Conselho Regional dos Representantes Comerciais no Estado de São Paulo.

 

- Além das vendas, essa trabalhadora fazia organização de loja, organizava mercadorias, arrumava vitrines, fazia o atendimento ao cliente (lojista ou consumidor final), fazia empacotamento de mercadorias, fazia emissão de notas, fazia cotações – atividades incompatíveis para um contrato de representação comercial.

 

 

Para legitimar um contrato de representação comercial, o representante, além de preencher todos os requisitos formais, normalmente trabalha em um escritório próprio ou da sua própria casa. O representante tem liberdade de fazer seus horários e não em obrigações internas como organizar mercadorias e vitrines de loja.

 

A expectativa é que o vínculo de emprego seja reconhecido na ação, pois para mim é muita clara a tentativa de negar o conceito de empregado.