Recentemente
me surpreendi com uma notícia publicada no portal do TRT18 cuja chamada dizia: “Término
de contrato por prazo determinado não gera garantia à estabilidade gestacional”.[i]
Segundo
o texto da matéria, o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região havia
revertido uma sentença que havia reconhecido o direito à estabilidade
provisória a uma gestante contratada por prazo determinado a título de
experiência. A fundamentação utilizada pelo v. acórdão foi o que teria sido
entendido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao julgar RE 629.053.
Ao
julgar o Recurso Extraordinário 629.053, o STF, apreciando o tema 497 da
repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a
seguinte tese: “A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc.
II, do ADCT somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa
causa”, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes.
Interpretando
isoladamente a tese firmada pelo STF, mas sem ao menos ler o voto do Ministro
Alexandre de Moraes, o TRT18 reformou a decisão de origem afirmando que o Tema
497 estabeleceu que a estabilidade provisória gestacional somente exige a
anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa, excluindo outras formas
de terminação do contrato como dispensa por justa causa e o término de contrato
por prazo determinado.
O
relator Desembargador Eugênio Cesário explicou que em casos de extinção do
contrato de experiência pela chegada do termo final, não há falar nesse
direito. Em suma, o v. acórdão admitiu a tese do empregador de que o contrato
de experiência, encerrado na data final, não equivale à dispensa arbitrária ou
sem justa causa, o que afastaria a garantia de emprego.
Mas
será que foi isso mesmo que o STF quis dizer ao julgar o Recurso Extraordinário
629.053?
Para
responder essa questão, precisamos fazer a leitura completa do voto do Ministro
Redator Alexandre de Moraes e do voto do Ministro vencido Marco Aurélio, bem
como entender o objeto da discussão do caso concreto que foi levado a
julgamento.
O
RELATÓRIO DO CASO CONCRETO
A
Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ao prover o recurso de revista
nº 1632/2002-048-02-00.0, assentou que o desconhecimento da gravidez por parte
do empregador não exclui o direito ao recebimento da indenização relativa ao
período de estabilidade da gestante. Fê-lo consoante preconizado no item I do
verbete nº 244 da Súmula daquele Tribunal.
Citou
os acórdãos da Primeira Turma do Supremo concernentes aos recursos
extraordinários nº 234.186/SP, relator ministro Sepúlveda Pertence, e
259.318/RS, relatora ministra Ellen Gracie. Destacou que não se exige, presente
o artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias – ADCT, para o fim da estabilidade, o preenchimento de outro
requisito senão a condição de gestante, que a mulher pode inclusive ignorar.
Ao
desprover os embargos, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do
Tribunal Superior do Trabalho explicitou a adoção, no caso, da teoria da
responsabilidade objetiva, no que irrelevante o conhecimento da gravidez quando
do rompimento do vínculo empregatício. Evocou jurisprudência daquele Tribunal.
Formalizados novos declaratórios, foram providos apenas para a prestação de
esclarecimentos.
Resin
República Serviços e Investimentos S.A. interpôs recurso extraordinário, com
alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, no qual aponta a
violação ao artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Conforme argumenta, o termo inicial da
estabilidade é a confirmação da gravidez, ou seja, a demonstração inequívoca e
objetiva da existência, por meio de atestado ou laudo médico. Sustenta
inadequada a correspondência entre a palavra confirmação e a concepção
propriamente dita. Salienta que a proteção do hipossuficiente, pretendida pela
Justiça trabalhista, encontra limitação no Direito positivo.
Quanto
ao requisito da repercussão geral, ressalta a relevância social e jurídica da
questão, cuja importância ultrapassa os limites subjetivos da lide. Destaca a
necessidade de o Supremo delimitar o significado da expressão “confirmação da
gravidez”, constante da alínea “b” do artigo 10 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
Embora
intimada, a recorrida não apresentou contrarrazões.
O
Ministério Público Federal manifesta-se pelo desprovimento do extraordinário.
Destaca que o mencionado preceito do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias tem origem na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho,
que, antes mesmo da promulgação da Carta de 1988, por meio do antigo prejulgado
nº 14, reconhecia a estabilidade provisória da gestante. Cita a Convenção nº
103/52 da Organização Internacional do Trabalho, incorporada ao ordenamento
jurídico brasileiro mediante a publicação do Decreto nº 58.821/1966, no que
previstos direitos mínimos relacionados à gravidez. Ressalta a necessidade de
interpretar se a estabilidade sob a óptica do princípio da proteção, de modo a,
considerados os possíveis sentidos da norma, impor a adoção daquele mais
favorável ao hipossuficiente.
Sustenta
que a expressão “confirmação da gravidez” remete ao momento no qual se possa
objetivamente delimitar o estado fisiológico gestacional, independentemente da ciência
do empregador e, até mesmo, da própria gestante. Afirma ter o Supremo
entendimento consolidado sobre o tema. Anota constituir a aludida estabilidade
direito fundamental social, exigindo ações positivas por parte dos entes
estatais.
QUAL
O OBJETO DA DISCUSSÃO?
O
STF analisou se para o reconhecimento do direito à estabilidade gestante é
necessário que o empregador tenha ciência da gravidez. A decisão analisou e
interpretou a expressão “confirmação da gravidez”, constante da alínea “b” do
artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Em
momento algum foi objeto de debate a modalidade de contratação (por prazo
determinado ou indeterminado) ou a forma de rescisão (sem justa causa ou
término do contrato por prazo determinado).
O
VOTO VENCIDO DO MINISTRO MARCO AURÉLIO
O
extraordinário faz-se dirigido contra acórdão formalizado em recurso de
embargos, no qual reconhecido o direito da gestante à estabilidade provisória
preconizada no artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, independentemente do conhecimento do estado
fisiológico da gravidez pelo empregador – e, até mesmo, da própria mulher –,
tendo a concepção ocorrido na vigência do vínculo empregatício.
A
controvérsia refere-se à determinação do conteúdo semântico da expressão
“confirmação da gravidez”: se relacionado a atestado médico ou ao momento da
própria concepção. Segundo o acórdão recorrido, a estabilidade deve ser
respeitada mesmo quando, no ato da despedida imotivada, o empregador não tenha
ciência da situação, porquanto pertinente a teoria da responsabilidade
objetiva, voltada à proteção da maternidade e do nascituro. Com base nessa
óptica, ficou consignado o dever de o empregador indenizar a gestante mediante
o pagamento dos salários e demais direitos trabalhistas devidos no período da
estabilidade.
[...]
Ante
o quadro, provejo o extraordinário para assentar inexistente a estabilidade e,
por via de consequência, a condenação imposta à recorrente. Proponho a seguinte
tese: A gestante possui direito à estabilidade no emprego desde que o empregador
tenha ciência do estado gravídico em momento anterior ao da despedida
imotivada.
VOTO
VENCEDOR DO MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES
As
razões recursais declinadas pela empresa empregadora aduzem que o texto
constitucional, ao indicar a “confirmação da gravidez” como condição para a aquisição
da estabilidade provisória, exigiria a ciência, por parte da própria empregada,
de seu estado gravídico, não bastando o tão-só fato da concepção para atrair a
incidência da norma protetiva. O acórdão recorrido, ao contrário, entendeu que
mesmo nessa circunstância haveria estabilidade, uma vez que o art. 10, II, b,
ADCT, protege contra a despedida arbitrária em razão do fato objetivo da
gravidez, criando hipótese de responsabilidade objetiva do empregador. É o relato
essencial da questão.
[...]
O
que a Constituição exige, a meu ver, termo inicial, com todo respeito a posição
contrária eminente Ministro Marco Aurélio, o que o texto constitucional coloca
como termo inicial é a gravidez. Constatado que houve gravidez antes da
dispensa arbitrária, incide a estabilidade não importa, a meu ver, que o timing
da constatação ou da comunicação tenha sido posterior.
O
que importa é: Estava ou não grávida antes da dispensa? Para que incida essa
proteção, para que incida a efetividade máxima do direito à maternidade, o que
se exige é gravidez preexistente à dispensa arbitrária. O desconhecimento por
parte da gestante, ou a ausência de comunicação - até porque os direitos
sociais, e aqui a maternidade enquanto um direito também individual, são irrenunciáveis
-, ou a própria negligência da gestante em juntar uma documentação e mostrar um
atestado não pode prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido durante aqueles
cinco meses. Obviamente, se não conseguir comprovar que a gravidez era
preexistente à dispensa arbitrária, não haverá incidência desse direito social.
Senhor
Presidente, concluindo, o que se exige, para mim, é a presença de um único
requisito, é um requisito biológico: gravidez preexistente à dispensa
arbitrária, mesmo que, após a dispensa, a gestante tenha o conhecimento e
consiga comprovar. O requisito é biológico para o reconhecimento da
estabilidade provisória e, consequentemente, o direito à indenização, se foi
dispensada, é o único requisito. E, no caso concreto, não se discute que houve
a gravidez preexistente à dispensa, o que se discute exatamente é que era
desconhecida também da gestante e só foi avisada ao empregador após a dispensa.
Não importa, a meu ver, porque a gravidez é preexistente.
Nesses
termos, peço novamente vênia ao eminente Ministro Relator e voto pelo
desprovimento do recurso extraordinário, com a formulação da seguinte tese: “A
incidência da estabilidade prevista no art. 10, II, do ADCT somente exige a
anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa”.
CONCLUSÃO
DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 629.053
O
STF decidiu que pouco importa o conhecimento do estado gravídico por parte do
empregador ou mesmo por parte da empregada, pois o direito à estabilidade
gestante exige apenas a certeza científica de que a gestação é preexistente e
teve início no curso do contrato de trabalho.
Nesse
julgamento, o STF não entrou no mérito se o contrato de experiência ou por
prazo determinado impediria o reconhecimento da estabilidade gestante.
Sendo
assim, a decisão do E. TRT18 se mostra equivocada já que teve como base apenas
a leitura isolada da ementa ou da Tese 497 e não ao conteúdo da verdadeira discussão.
A notícia veiculada no portal do Tribunal induz precipitadamente à conclusão de
que o entendimento do inciso III da Súmula 244 do TST foi superado.
Em
outras palavras, o julgamento do Tema 497 pelo STF em nada muda a Súmula 244 do
C. TST.[ii]
O
QUE JÁ FOI DECIDIDO PELO STF APÓS O JULGAMENTO DO RE Nº 629.053?
Com
o intuito de reforçar a conclusão aqui exposta, trouxe um julgado mais recente,
do próprio STF, e posterior ao Tema 497 Repercussão Geral do STF (2018) que encerra
de forma definitiva o assunto:
RECLAMAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. ALEGADO DESCUMPRIMENTO DO DECIDIDO NO TEMA 497 DA REPERCUSSÃO GERAL. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DE INSTÂNCIA NA ORIGEM: DESCABIMENTO DA RECLAMAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE USO DESTA AÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL: PRECEDENTES. RECLAMAÇÃO À QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório: 1. Reclamação, com requerimento de medida liminar, ajuizada por Comercial de Calçados Servbem Ltda., em 24.3.2023, contra o seguinte acórdão prolatado pela Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Quinta Região no Processo n. 0000481-89.2022.5.05.0401, pelo qual teria sido desrespeitada a decisão proferida por este Supremo Tribunal no Recurso Extraordinário n. 629.053-RG, paradigma do Tema 497 da repercussão geral: “ESTABILIDADE DA GESTANTE. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. À empregada gestante é assegurada a estabilidade provisória, nos termos dos arts. 10, II, ‘b’, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal e da Súmula 244 do TST. No tema 497 de Repercussão Geral do STF não houve enfrentamento das questões ou consectários da modalidade da despedida, de forma a repercutir no afastamento da estabilidade gestante. Isso, repita-se, não foi objeto da decisão, sequer de forma incidental, a título de obter dictum. Não há como se admitir que a decisão do STF tenha inaugurado outro requisito que seja a dispensa sem justa causa, na medida em que tal não foi mencionado no julgamento em referência” (Rcl 58686 / BA - BAHIA RECLAMAÇÃO Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA Julgamento: 30/03/2023 Publicação: 03/04/2023)
[i] https://www.trt18.jus.br/portal/termino-de-contrato-por-prazo-determinado-nao-gera-garantia-a-estabilidade-gestacional/
[ii] Súmula nº 244 do
TST - GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA
I - O desconhecimento do estado gravídico
pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da
estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).
II - A garantia de emprego à gestante só
autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do
contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos
correspondentes ao período de estabilidade.
III - A empregada gestante tem direito à
estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão
mediante contrato por tempo determinado.