terça-feira, 27 de junho de 2017

A EMPRESA É OBRIGADA A ABONAR A FALTA DO TRABALHADOR QUE LEVA FILHO DOENTE AO MÉDICO OU O ACOMPANHA EM INTERNAÇÃO HOSPITALAR ?



Trata-se de tema controverso, haja vista que não existe consenso entre os Tribunais Regionais do Trabalho brasileiros nem previsão específica nas leis trabalhistas (CLT e leis esparsas).

O assunto é delicado por envolver dois pontos de vistas contrapostos: por um lado, os pais/responsáveis têm o dever previsto na Constituição Federal de 1988 de zelar pela saúde de seus filhos menores; por outro lado, a empresa tem o direito de utilizar a mão de obra de seus funcionários, a quem remunera pelos serviços prestados.

Assim sendo, uma vez que não existe na legislação brasileira regra que discipline exatamente esta situação, a solução para este impasse deve ser construída caso a caso. 


O QUE DIZ A CLT SOBRE O TEMA?


A CLT não colocou na “lista” das faltas justificáveis a possibilidade de o empregado ausentar-se do trabalho para levar filho menor doente ao médico ou acompanhá-lo em internação hospitalar. 

De acordo com a CLT, as faltas justificadas estão expressamente previstas no artigo 473, da CLT:

Art. 473 - O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário:   I - até 2 (dois) dias consecutivos, em caso de falecimento do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua carteira de trabalho e previdência social, viva sob sua dependência econômica; II - até 3 (três) dias consecutivos, em virtude de casamento;III - por um dia, em caso de nascimento de filho no decorrer da primeira semana;IV - por um dia, em cada 12 (doze) meses de trabalho, em caso de doação voluntária de sangue devidamente comprovada;    V - até 2 (dois) dias consecutivos ou não, para o fim de se alistar eleitor, nos termos da lei respectiva.          VI - no período de tempo em que tiver de cumprir as exigências do Serviço Militar referidas na letra "c" do art. 65 da Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964;   VII - nos dias em que estiver comprovadamente realizando provas de exame vestibular para ingresso em estabelecimento de ensino superior. VIII - pelo tempo que se fizer necessário, quando tiver que comparecer a juízo.           IX - pelo tempo que se fizer necessário, quando, na qualidade de representante de entidade sindical, estiver participando de reunião oficial de organismo internacional do qual o Brasil seja membro.     X - até 2 (dois) dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira;   XI - por 1 (um) dia por ano para acompanhar filho de até 6 (seis) anos em consulta médica.        
Para ler mais sobre faltas justificadas, clique AQUI.


Como se viu acima, a CLT (responsável por prever os direitos trabalhistas “comuns” e “gerais” a todos os trabalhadores) se silenciou sobre o assunto. Por isto, deve-se partir para a análise dos direitos trabalhistas específicos de cada categoria de trabalhadores, previstos nas normas coletivas (convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho).

Existem normas coletivas que expressamente regulamentam esta situação, admitindo a licença (remunerada ou não) a um dos pais/responsáveis ou prevendo o abono de falta do empregado que leva seu filho menor doente ao médico ou o acompanha em internação hospitalar.

A propósito, são EXEMPLOS categorias de trabalhadores que possuem estes direitos no ano de 2017:

- Vigilantes do Estado de São Paulo;- Empregados em comércios varejistas (lojas) no município de São Paulo;- Professores de escolas particulares do Estado de São Paulo (educação básica);

É possível, ainda, que a empresa estabeleça em seu regulamento interno o direito ou não de o empregado faltar justificadamente para levar seu filho menor doente ao médico. Por isto, é importante que os empregados conheçam as normas internas da empresa em que trabalham.

Mas, se a lei não obriga a empresa a abonar falta ou conceder licença (remunerada ou não) a trabalhador que necessita acompanhar filho menor doente ao médico, o que acontece com a categoria de trabalhadores que não possui este direito assegurado nas normas coletivas (convenção coletiva ou acordo coletivo) nem no regulamento interno da empresa ?

Nestes casos, pode-se buscar resolver o problema por meio de vias alternativas. Sublinha-se que tendo em vista inexistir previsão em lei ou em norma coletiva que assegure o direito pretendido pelo empregado, não há certeza acerca dos possíveis desfechos de um processo trabalhista envolvendo este tema.

Uma possibilidade é a utilização de precedentes jurisprudenciais (utilizar como parâmetro outras decisões antes proferidas pelos Tribunais do Trabalho) e de Princípios Gerais do Direito e do Direito do trabalho para solucionar o conflito.

A Justiça do Trabalho, em alguns processos semelhantes, já decidiu que o empregado que leva filho doente ao médico deve ter suas faltas abonadas e não pode ser demitida por justa causa, desde que devidamente comprovadas por intermédio de atestados médicos.

A propósito, transcrevemos as seguintes decisões:

"FALTAS JUSTIFICADAS. DOENÇA DE FILHO. JUSTA CAUSA INSUBSISTENTE. Mãe que leva filho doente a médico não pode ser punida com justa causa. Ainda que reiteradas as ausências ao trabalho, sendo estas devidamente justificadas por atestados médicos particulares ou emitidos por órgãos públicos não impugnados quanto ao conteúdo ou submetidos à arguição incidental de falsidade, não há que se falar em falta grave. É regra na natureza, que a fêmea não abandona a sua cria. A mãe que relega um filho ao abandono, além de merecer a execração moral está sujeita a ser responsabilizada na esfera penal. Assim, não há como dar guarida à rigorosa e desumana tese patronal da justa causa por desídia, apenas por ter a autora deixado de comparecer ao trabalho algumas vezes para levar o filho enfermo ao médico, mormente sendo este fato sobejamente conhecido pela empresa". (TRT-2 - RECORD: 1070200403202000 SP 01070-2004-032-02-00-0, Relator: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS, Data de Julgamento: 26/04/2005, 4ª TURMA, Data de Publicação: 06/05/2005)

“Ausência ao trabalho para acompanhamento de filho menor à consulta médica. Devolução de descontos. O art. 473 da CLT, não inclui dentre as ausências justificadas ali previstas as decorrentes de acompanhamento do filho menor à consulta médica. Não obstante, deve ser assegurado à trabalhadora o salário dos dias de ausência por motivo de acompanhamento do filho menor em atendimento médico, com vistas à efetivação do direito fundamental do menor à saúde, previsto no art. 227 da Constituição Federal (Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão) e também no art. 4º, da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Trata-se de direito fundamental a ser garantido, obrigatoriamente e em caráter prioritário, por toda a sociedade. Tendo em conta essa garantia alcançada ao menor, imprescindível que se propicie à mãe (no caso) o direito de ausentar-se do trabalho para acompanhar o atendimento médico do filho menor, que se encontra com saúde debilitada, sem que seja essa penalizada com a perda do salário. Recurso do autor ao qual se dá provimento.” (TRT 09ª R. – Proc. 11738-2011-664-09-00-2 – (Ac. 55650-2012) – 3ª T. – Rel. Des. Archimedes Castro Campos Júnior – DJe 30.11.2012)

"RECURSO ORDINÁRIO. FALTA AO TRABALHO. FILHO MENOR DOENTE. DESCONTOS. EFETUADOS. RESSARCIMENTO DEVIDO. Embora a CLT não discipline a matéria e a Lei nº 605/49 disponha apenas sobre o abono de falta em razão de doença do próprio empregado (art. 6º, alínea - f"), entendo, data venia do entendimento do Exmo. Desembargador Relator, que através de uma interpretação teolológica da legislação pátria, é possível concluir que nos casos de falta ao trabalho em razão de doença de filho menor, esta deve ser abonada. Não se afigura razoável que no caso de doença, os pais não possam cuidar dos seus filhos, por receio de terem seu dia descontado ao final do mês, já que é responsabilidade deles cuidar para que seus filhos recebam o tratamento devido, nos termos do art. 1634 do CCB. Ignorar tal obrigação poderia, inclusive, comprometer a saúde do menor, bem que se encontra em patamar mais elevado do que as obrigações perante o empregador". (TRT-1 - RO: 00019231020135010501 RJ , Relator: Paulo Marcelo de Miranda Serrano, Data de Julgamento: 03/09/2014, Sexta Turma, Data de Publicação: 17/09/2014)

"LICENÇA PARA ACOMPANHAMENTO DE PESSOA DA FAMÍLIA. ENFERMIDADE DE FILHO. AUSÊNCIAS DA MÃE AO TRABALHO PARA ACOMPANHÁ-LO. DIREITO À SAÚDE. PROTEÇÃO DA MATERNIDADE E À CRIANÇA. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. PONDERAÇÃO DE VALORES. DESCONTOS INDEVIDOS. Conquanto a CLT não contenha previsão acerca da licença remunerada do trabalhador na hipótese de doença de pessoa da família, a imprescindível presença da mãe e/ou pai ao lado do filho doente encontra eco no ordenamento jurídico pátrio. Tal conclusão se coaduna com o direito à vida e com o princípio da dignidade humana, alçados ao nível constitucional. Desse modo, o direito à saúde, intimamente ligado a referidos princípios, fazem parte do núcleo sindicável dos direitos sociais, sua outorga não poderá ser afastada mesmo com a aplicação da ponderação, ou seja, não há o que se ponderar sobre a entrega das prestações materiais sobre a saúde. Admite-se no máximo discricionariedade sobre os meios de sua efetivação'. "Diante disso, não se duvida que a proteção da saúde é o direito individual à prevenção da doença, a seu tratamento e à recuperação do doente, traduzindo-se no acesso aos serviços e ações destinadas à recuperação do enfermo." (Luiz Armando Viola) De outro turno, o artigo 6º da Lei Maior assegura a proteção à maternidade e à infância. Não se olvida, ainda, que a mesma Norma Fundamental protege a criança ainda no ventre materno. Dessa maneira, não haveria como deixar de estender essa tutela à criança após o parto, mormente quando ela se encontra em tratamento de saúde. Desse modo, diante do quadro apresentado nos autos, a causa do afastamento da reclamante de seu labor tornou-se relevante, permitindo-se estimar que a apresentação dos atestados de acompanhamento seria bastante para justificar as faltas anotadas. Logo, os descontos efetuados na remuneração da obreira a título de licença para acompanhamento de seu filho são irregulares. 2. Recurso parcialmente conhecido e provido em parte". (TRT-10, Relator: Desembargador Brasilino Santos Ramos, Data de Julgamento: 28/07/2009, 2ª Turma).
    

O EMPREGADO PODE SER DISPENSADO POR JUSTA CAUSA SE FALTAR PARA LEVAR O FILHO AO MÉDICO?


Conforme exposto anteriormente, não há resposta definitiva a respeito do tema, porquanto o posicionamento dos Tribunais do Trabalho ainda é controvertido.

Porém, aplicando-se os princípios anteriormente citados, pode-se empregar o raciocínio no seguinte sentido: a empresa não é obrigada a abonar a falta do empregado que acompanhou filho doente ao médico, mas tampouco pode utilizar referida falta para punir o trabalhador, demitindo-o por justa causa.

Por conseguinte, ainda que o funcionário perca o dia da falta e, inclusive, o valor do descanso semanal remunerado (DSR), esta falta não poderá constituir justa causa para a demissão por iniciativa da empresa.

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